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Liberação de carro apreendido pelo transporte de mercadoria irregular

Veículo apreendido pela receita federal com descaminho para fins de decretação da pena de perdimento

Quando um veículo é apreendido pela receita federal? Existem muitas hipóteses de perdimento descritas na legislação aduaneira. Uma delas é o perdimento do veículo transportador de mercadoria irregular (descaminho ou contrabando).

Portanto, toda vez que o automóvel transportar mercadoria estrangeira sem nota fiscal ele está sujeito a ser retido pela autoridades por suspeita de infração aduaneira.

Retenção X apreensão de veículo pela alfândega

De fato, qualquer autoridade (PF, PRF, PM…) pode fazer a retenção de um veículo. Lavra-se um termo de retenção e, logo após, se encaminha pra Receita Federal. Isso pode ocorrer em qualquer lugar do território nacional, mesmo longe da fronteira.

Assim, depois de encaminhado o carro (ou ônibus/caminhão) à Receita Federal, que é a órgão responsável pelo controle aduaneiro no Brasil, ou seja, quem exerce a função de alfândega/aduana, ela analisa o caso e decide se vai lavrar o auto de infração e apreensão pra fins de aplicação da “pena” de perdimento do carro.

Por atingir todo o patrimônio do cidadão, ser aplicada em instância administrativa única, advir de uma legislação já defasada que usa uma técnica de redação casuística e truncada, não possuir uma graduação conforme a gravidade da conduta praticada e atingir pessoas que são, as vezes, estranhas à infração, é normal que seja objeto de questionamento na via judicial.

Resumindo: qualquer autoridade pode fazer a retenção. Após a retenção, o carro precisa ser encaminhado a uma unidade da Receita Federal do Brasil, para fins de análise da situação e lavratura do auto de infração e apreensão. Depois disso é que o interessado pode apresentar sua impugnação.

*** Cuidado: raramente se faz a intimação pessoal do proprietário para tomar ciência do auto de infração, 99% dos casos a intimação é feita por edital.

Decretação do Perdimento de veículo no Decreto-Lei (DL) 37/66

Pena de perdimento de veículo e descaminho: o transporte irregular de mercadorias pode gerar o perdimento do veículo transportador e das mercadorias, aplicado pela Receita Federal do Brasil em processo administrativo de instância única. A sanção/pena de perdimento está tipificada nos artigos 104 e 105 do Decreto-Lei n. 37/66:

“Art.104 – Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos: V – quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção;

Art.105 – Aplica-se a pena de perda da mercadoria: X- estrangeira, exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no país, se não for feita prova de sua importação regular”.

Elementos da pena de perdimento de veículo

Infração: Transporte irregular de mercadoria
Sujeito passivo Proprietário do veículo e da mercadoria
Conduta Transportar
Complemento Mercadoria irregular (sem nota fiscal ou documento de importação regular)
Sanção Perdimento da mercadoria e do veículo transportador
Consumação Com o transporte irregular (desamparado de documento comprobatório de importação regular, ou seja, sem Declaração de Importação).
Rito Instância única administrativa (Decreto-Lei n. 1.455/1976

Em 15 anos atuando na área aduaneira conseguimos muitas liberações de veículos apreendidos pela Receita Federal.

Nenhum deles é exatamente igual ao outro, mas alguns são mais emblemáticos. A nossa ideia aqui é colocar alguns casos para ficar mais fácil de compreender quando é possível uma liberação. 

Assim, para dar um contorno mais prático ao presente artigo e também mais transparência no uso correto do direito aduaneiro sancionador, vamos responder algumas perguntas usando exemplos práticos (apenas casos em que atuei pessoalmente).

Qual o prazo para anular judicialmente o perdimento de veículo em favor da união?

O perdimento aduaneiro de bens ocorre na esfera administrativa, ou seja, é a alfândega/aduana quem irá lavrar o auto de infração, intimar o proprietário (quase sempre por edital), lavrar o perdimento e destinar o veículo.

Atualmente, o rito administrativo ocorre em duas etapas, mas a destinação do veículo vai acontecer após o julgamento da impugnação. Existe um pedido de relevação previsto na legislação aduaneira, mas não se trata de recurso.

Regra geral, pode-se questionar a apreensão na justiça depois de lavrado o auto de infração. Da data da ciência se tem 5 anos para propor a ação ordinária.

Liberação antecipada de veículo mediante caução razoável

Caso emblemático porque ocorreu já no longínquo ano de 2014, o primeiro que tenho notícia de uma liberação antecipada mediante caução razoável.

Depois que se decidiu definitivamente que o fiel depositário não pode ser preso há alguns anos, a modalidade de liberação antecipada que se passou a usar com mais frequência era a da caução integral. Mas em alguns casos é inviável caucionar o valor integral do veículo, especialmente com veículos de maior valor.

Assim, havia a necessidade de uma hipótese intermediária, daí a caução razoável ou parcial.

Embora sejam mais raros, também é possível obter uma liberação simples, sem caução, liberação mediante restrição de transferência.


Desproporcionalidade do perdimento do veículo

Um temperamento possível à gravidade da sanção ocorre pela aplicação da razoabilidade/proporcionalidade.

Não existem critérios precisos, mas em geral o valor do veículo precisa ser superior ao da mercadoria, normalmente mais da metade:

“No caso dos autos, pode-se concluir pelo efetivo excesso da medida punitiva, porquanto o montante da mercadoria apreendida perfaz R$22.672,12, menos da metade do valor do veículo apreendido ­ Honda Civic LXL Flex – avaliado em R$58.098,00”.

Além disso, existem diversos aspectos que podem influenciar a análise, a qual deve ser global, ou seja, de todo o caso. Até a situação dos ocupantes do veículo é considerada.

A quantidade de vezes que o veículo passou pela fronteira também pode influenciar em alguns casos. O tipo de mercadoria também pode ser objeto de debate.

Entretanto, um critério, por si só, não significa êxito ou derrota. Também é comum que se precise produzir prova sobre os valores das mercadorias ou do veículo.

Facilmente se trata da hipótese que mais gera liberação, selecionamos apenas alguns casos:

 
 

Responsabilidade do proprietário do veículo 

Uma interpretação literal da infração indica que a mercadoria deve pertencer ao responsável pela infração, ou seja, o proprietário do veículo e da mercadoria devem coincidir.

Caso contrário, o proprietário do carro precisa ter ciência, se beneficiar ou participar da infração.

Contudo, são poucos os autos de infração que efetivamente descrevem a ligação do proprietário com a infração. A maioria apenas copia e cola a legislação.

O correto seria anular todos os autos que não afastarem a boa-fé do proprietário, como ocorreu  neste caso julgado em Presidente Prudente em 1º de fevereiro de 2019 (Sentença Presidente Prudente):

“Não existe nos autos qualquer elemento indicativo da participação do proprietário na conduta tida como ilegal, significando dizer que não é possível atribuir culpa com fundamento exclusivo em inferências, na medida em que a aplicação da pena de perdimento de bem se submete à efetiva comprovação da responsabilidade do proprietário – finalidade do devido processo administrativo.

Portanto, o auto de infração deve descrever e justificar o motivo pelo qual o veículo foi apreendido pela receita federal e indicar os fatos que geraram a responsabilidade do proprietário.

Por consequência, é desta imputação que ele se defende o proprietário e conhecê-la é o mínimo que se exige de um processo administrativo.

De tal modo, o uso de fórmulas prontas (famoso ctrl c+ ctrl v) é extremamente prejudicial aos contribuintes, como costuma ocorrer com frequência com veículos encontrados abandonados.

Estelionato de veículo e apreensão posterior pela alfândega

Ressalte-se que existem muitos relatos de golpe na aquisição de veículo, posteriormente utilizados no descaminho/contrabando. Neste caso, o proprietário lesado tem o direito de reaver o veículo:

“No caso concreto, entendo que a parte autora não pode ser responsabilizada pela infração aduaneira, por ter comprovado ter sido vítima de estelionato.

Enfim, os elementos trazidos aos autos comprovam que a autora foi vítima de estelionato, hipótese em que é de ser afastada a sua responsabilidade pelo cometimento da infração aduaneira.

E existe uma variação deste problema em casos de compra e venda de carros usados e não pagamento do financiamento.

Caso 9 (responsabilidade por infração)

Pode a União Federal concordar com o pedido de anulação de uma apreensão?

Situação extremamente rara, mas é possível sim. Em tese, quando os representantes judiciais da União Federal se deparam com uma apreensão que é visivelmente desproporcional eles podem simplesmente concordar com a anulação do auto de infração.

Trata-se de uma tática processual louvável e muito perspicaz, pois evitaria a condenação da União em sucumbência.

Assim, sabendo de antemão de uma provável condenação sucumbencial alta é preferível que a Fazenda anule um ato administrativo e libere um veículo do que tenha que arcar com uma eventual condenação.

Só lembrando que em caso de destinação do veículo quem indeniza a parte é a própria delegacia da Receita Federal e não a Fazenda.

Caso 10 (concordância da união)

Caso 11 (ônus)

Caso 12 (com agrotóxico)

Caso 13 (desproporcionalidade)

Destinação de veículo apreendido e posterior pagamento de indenização

Vale lembrar que o veículo destinado pela Receita Federal, ou seja que foi doado ou leiloado, enseja o pagamento de uma indenização ao proprietário. Quem paga é a unidade da Receita Federal que destinou o veículo. Existem 3 requisitos:

Requerimento do interessado. O primeiro passo é o requerimento invocando o pagamento de indenização, no processo administrativo que determinou a apreensão.

Decisão administrativa ou judicial. Há que existir uma decisão administrativa ou judicial.

Restituição de mercadorias já destinadas. A decisão precisa determinar a restituição de mercadoria (ou veículo) já destinado, cumprindo todos os requisitos legais para o pagamento de indenização com recursos do FUNDAF.

Caso 14 (indenização)

Caso 15 (liberação de veículo já destinado)

Liberação por excesso de prazo (+ 30 dias retido).

O procedimento administrativo que visa decretar o perdimento de um veículo não tem um prazo definido pela legislação aduaneira. No entanto, a autoridade aduaneira não pode reter um veículo indefinidamente.

A própria constituição federal garante a duração razoável do processo. Havendo excesso de prazo (definido caso a caso) há que se liberar o veículo.

Alguns Tribunais consideram o prazo de 30 dias para a lavratura do auto de infração. Passados os 30 dias, está configurado o excesso de prazo.

Caso 16 (excesso de prazo).

Caso 17 (mediante restrição de transferência).

 


Ausência de comprovação da participação do proprietário pela Receita Federal

Outro fator que pode levar à liberação do veículo é a não comprovação da participação do proprietário na infração aduaneira. O ônus de comprovar que o proprietário tinha ciência e concorreu para a prática de descaminho é da Receita Federal que não pode simplesmente fazer alegações genéricas nesse sentido.

Caso 18 (ônus da prova do descaminho)


Conclusão

Nem tudo está perdido quando um veículo é retido ou apreendido pela Receita Federal do Brasil em razão de um transporte irregular de mercadoria, ainda que isso possa configurar o crime de descaminho ou contrabando, como os exemplos acima querem demonstrar.

Estes são apenas alguns dos nossos casos aos longo dos anos, colocados aqui em nossa biblioteca para fins de catalogação, todos distintos entre si. Todos tiveram nossa atuação direta ao longo de quinze anos advogando na área aduaneira.


Autor:

Diogo Bianchi Fazolo, advogado aduaneiro, mestre em Direito (Universidade Católica de Brasília), membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/PR. Especialista em Direito Aduaneiro na Unicuritiba, professor e palestrante de direito aduaneiro. 

 


 


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