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Qual o prazo para lavrar um auto de infração para um veículo apreendido pela aduana?

O que configura o excesso de prazo? Um resumo:

O procedimento administrativo que visa decretar o perdimento de um veículo não tem um prazo definido pela legislação aduaneira. No entanto, a autoridade aduaneira não pode reter um veículo indefinidamente.

A própria constituição federal garante a duração razoável do processo. Havendo excesso de prazo (definido caso a caso) há que se liberar o veículo.

Alguns Tribunais consideram o prazo de 30 dias para a lavratura do auto de infração. Passados os 30 dias, está configurado o excesso de prazo.

Precedentes

Nosso escritório obteve uma decisão favorável no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, TRF-4, e ao que tudo indica se trata de uma das primeiras decisões no país aplicando o prazo de 30 dias para que a autoridade aduaneira lavre o auto de infração em casos envolvendo a  apreensão de veículo. Assim ficou a ementa desse julgamento:

PENA DE PERDIMENTO. VEÍCULO. COMETIMENTO DE INFRAÇÃO ADUANEIRA. APREENSÃO. LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO.  (TRF4, AC 5038775-64.2021.4.04.7000, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 23/11/2022).

Trata-se de decisão originada em processo que tramitou na 6ª Vara Federal de Curitiba, a qual teve decisão da Juíza Federal Dra. Vera Lúcia Feil Ponciano, no sentido de que a aduana tem a obrigação de instaurar o devido processo legal para fins de perdimento do veículo, o que precisa acontecer em prazo razoável. E de maneira pioneira no Brasil, a douta magistrada decidiu pela aplicação do prazo de 30 dias, com aplicação analógica do artigo 49 da Lei n. 9784/1999:

“Acerca do prazo para conclusão do processo administrativo, os dispositivos mencionados acima não estabelecem prazo. O Decreto nº 6.759/2009, em seu artigo 774, prevê que o auto de infração é a peça que inicia o processo fiscal. Este, por sua vez, torna possível o exercício da ampla defesa pelo administrado. Assim, por ausência de previsão expressa, é necessária aplicar a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”.

Ao que tudo, se trata de uma das primeiras decisões no país nesse sentido, senão a primeira.

Veja-se o precedente na íntegra.

Os fundamentos jurídicos 

Como restou claro, a legislação aduaneira não dispõe sobre o prazo de duração da retenção cautelar de veículos. Tampouco trata do prazo para a autoridade administrativa lavrar o auto de infração, ato administrativo que dá início ao contencioso aduaneiro. No entanto, o processo administrativo aduaneiro instaurado para decretar o perdimento do veículo está subordinado à Constituição da República, a qual determina que:

CR/88

Art. 5º. […]

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Vale lembrar que a Convenção de Quioto Revisada (Decreto 10.276/20) encampa a ideia de atuação num prazo razoável na definição de omissão pela autoridade aduaneira:

CONVENÇÃO DE QUITO REVISADA (Decreto 10.276/20):

CAPÍTULO 2 – DEFINIÇÕES 

Para efeitos de aplicação dos Anexos à presente Convenção entende-se por:

[…]

Omissão: o fato de as Administrações Aduaneiras não atuarem ou não tomarem dentro de um prazo razoável as medidas exigidas pela legislação aduaneira sobre uma questão que lhes foi submetida nos devidos termos;

A norma 10.3 da CQR complementa esse conceito de omissão enquanto não atuação num prazo razoável após a apresentação de um requerimento à autoridade:

10.3. Norma

A pessoa diretamente afetada por uma decisão ou omissão das Administrações Aduaneiras deverá, após ter apresentado um pedido às Administrações Aduaneiras, ser informada dos fundamentos dessa decisão ou omissão dentro do prazo fixado pela legislação nacional. Poderá, subsequentemente, interpor ou não recurso.

Resta claro que os administrados possuem o direito ao devido processo legal no âmbito aduaneiro, o qual precisa tramitar em prazo razoável, conforme lhe garante a legislação infraconstitucional e o artigo 5º, incs. LIV, LV e LXXVIII, da CR/88.

Ante o silêncio da legislação aduaneira (DL 37/66, DL 1.455/76 e Regulamento Aduaneiro) sobre o prazo específico para a abertura de um processo aduaneiro e sua movimentação, aplica-se a Constituição da República de 1988, a Convenção de Quioto Revisada e o Acordo de Facilitação do Comércio, os quais garantem o devido processo em tempo razoável.

O pano de fundo da discussão é interessantíssimo, portanto, pois trata da aplicação no Brasil de compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiro, os quais possuem uma filosofia que podem alterar o paradigma de aplicação da legislação aduaneira interna.

No mesmo sentido, veja-se a lição da doutrina especializada:

El debido proceso constituye una garantia genérica que abarca varias garantías constitucionales, todas ellas destinadas, em su conjunto, a permitir que las personas ejerzan de manera eficaz sus derechos, com motivo del ejercicio del poder jurisdiccinoal del Estado, quien deve ofrecer a los indivíduos, un marco procedimental adecuado para que puedan ejercer de manera eficaz la defensa de sus derechos (COTTER, Juan Patrício. Derecho aduanero y comercio internacional. Buenos Aires: Ediciones Iara, p. 336, 2018).

O contribuinte tem o direito a um processo sem indevidas dilações e quando “esa lentitud supera el limite de lo tolerable se produce una concreta violación de la garantia del debido proceso (LASCANO, Julio Carlos. El principio del debido proceso en los procedimientos aduaneros. IN: CARRERO, German Pardo. Derecho Aduanero. Bogotá: Tirant Lo Blanch, 2020, p. 549, t. II.)”.

Ademais, como nós sempre afirmamos, o exercício do controle aduaneiro não é ilimitado e deve se pautar pela razoabilidade e mínima intervenção aduaneira. No mesmo sentido, veja-se a norma 6.2 prevista na Convenção de Quioto Revisada, internalizada pelo Decreto 10.276/2020: “O controle aduaneiro limitar-se-á ao necessário para assegurar o cumprimento da legislação aduaneira”.


Diogo B. Fazolo, advogado aduaneiro, mestrando em Direito (UCB).


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