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Admissão temporária de veículos do Paraguai e da Argentina: novidades

Brasileiros que residem no Paraguai/Argentina/Uruguai podem fazer a admissão temporária de seus veículos na aduana (dezembro de 2020)?

Houve uma alteração recente na legislação aduaneira que foi comemorada por alguns, sendo noticiada como um grande avanço em prol da livre circulação de veículos em território nacional. Vários amigos que residem em cidades fronteiriças me mandaram notícias nesse sentido.

Pra quem se lembra: faz alguns anos que a admissão temporária já era automática para TURISTAS provenientes de países do Mercosul. Em outras palavras, o turista proveniente de países do Mercosul não precisam fazer a admissão temporária de seus veículos, posto que era automática.

A primeira pergunta que precisa ser respondida é: quem pode ser considerado como turista pela legislação aduaneira.

E essas notícias que foram veiculadas agora em dezembro de 2020 sobre o assunto estão amparadas em alguma mudança legislativa? Para responder essas indagações vou analisar dois dispositivos da IN 1989/2010, a qual entrou em vigor em 1º de dezembro de 2020.

Instrução Normativa 1989/2020

A IN 1989/2020 trouxe alterações a IN 1600/2015 que regulamenta a admissão temporária. Qual foram as mudanças impostas agora?

a) os veículos terrestres e embarcações de esporte e recreio matriculados em outro país integrante do Mercosul EM VIAGEM DE TURISMO tem sua admissão temporária automática (IN 1600/2015, art. 5º, inc. VI).

Primeiro ponto: são veículos e embarcações de esporte e recreio (e não veículos de passeio). 

Segundo ponto: em viagem de turismo! 

Conclusão: a alteração foi de redação do dispositivo, para incluir país integrante do Mercosul (redação mais abrangente e atual), ao contrário da redação antiga que restringia a Estado Parte (IN 1600/2015, art. 5º, inc. VI). Não se aplica a quem tem domicílio no Brasil, portanto. Apenas se aplica ao turista.

b) veículo terrestre estrangeiro, matriculado em país limítrofe, destinado ao uso particular de viajante não residente, que adentre o País em ponto de fronteira alfandegado (IN 1600/2015, art. 5º, inc. VII).

Primeiro ponto: o condutor do veículo não pode ter residência no Brasil.

Segundo ponto: em viagem de turismo! Muito embora a redação não mencione expressamente, pela interpretação da IN 1600/2015, pode-se concluir que o art. 5º, inc. VII, esteja dirigido apenas ao turista (viajante não residente).

Conclusão: a alteração foi de redação do dispositivo, para permitir que o turista de qualquer país limítrofe com o Brasil entre e se desloque em todo o território nacional (IN 1600/2015, art. 5º, inc. VII). Não se aplica a quem tem domicílio no Brasil, portanto. Apenas se aplica ao turista.

Quem está em situação de turismo no Brasil?

Quando a legislação aduaneira fala em turismo, viajante, não residente, ela está direcionada para:

a) o brasileiro que comprove residir no exterior por período superior a 12 (doze) meses consecutivos, em caráter permanente, e que não exerça atividade econômica habitual no País;

b) o brasileiro que tenha apresentado a Comunicação de Saída Definitiva do País ou a Declaração de Saída Definitiva do País;

c) o estrangeiro não residente no Brasil;

Por exclusão, quem reside no Brasil não é turista!

Não basta que o cidadão tenha um vínculo com o exterior (residência, trabalho, família…), é necessário que NÃO tenha vínculo com o Brasil (residência ou trabalho).

A pessoa pode ter diversas residências. Seu domicílio pode ser qualquer delas, para fins cíveis. Mas para fins aduaneiros a prova de não residência é do viajante em caso de fiscalização pela autoridade aduaneira.

Conclusão

Creio que tenha ficado bem claro que o tema é difícil. Existem conceitos embutidos na redação da legislação aduaneira que são complementados por outros dispositivos aduaneiros. Para escrever este singelo artigo, preciso consultar várias instruções normativas, por exemplo.

Se criou a tese do duplo domicílio justamente para suprir a ausência de um instrumento capaz de regularizar o trânsito de automóveis matriculados em países do Mercosul quando conduzir por quem não se enquadra no conceito de turista. Trata-se, em resumo, de uma tese jurídica que é reconhecida pela jurisprudência, mas não pela autoridade aduaneira (SOLUÇÃO DE CONSULTA SRRF/9ª RF/DISIT Nº 154, de 26 de setembro de 2002).

A IN 1989/2020 não alterou a situação daqueles que tem o duplo domicílio. Quem não é turista (seja brasileiro ou estrangeiro) continua não podendo entrar no Brasil com automóvel matriculado no exterior. O não turista também continua impossibilitado de conduzir tais veículos estrangeiros no Brasil.

Em outras palavras: inexiste qualquer tipo de alteração legislativa na IN 1989/2020 que permita ao não turista a regularização da entrada de seu veículo estrangeiro. Também inexiste qualquer tipo de menção da Receita Federal em tal sentido em seus informativos.

Portanto, o regime de admissão temporária de veículos de turistas dos países integrantes do Mercosul não abrange os brasileiros e os estrangeiros que têm domicílio ou residência no Brasil.


Diogo Bianchi Fazolo, advogado, professor, especialista em Direito Aduaneiro.


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