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É crime importar azeite de oliva? A questão da marca que foi proibida pela Anvisa

Resolução RE n.º 1.303, de 30 de março de 2021 da Anvisa

A ANVISA determinou há alguns anos a proibição de “comercialização, distribuição, fabricação, propaganda e uso” do Aceite de Oliva Extravirgen Olivares del Valle Viejo, o que significa que essa marca específica não pode ser importada para o Brasil.

Essa resolução voltou à luz recentemente devido a deflagração da operação Lampante pela Polícia Federal deflagrou, em Foz do Iguaçu. Se noticiou que a ideia é combater a comercialização de azeite de oliva argentino adulterado.

Então, resolvemos escrever sobre essa questão justamente por conta da questão de fundo que nos pareceu pouco explorada, qual o crime, em tese, que se pode atribuir a quem importa essa mercadoria?

Fica a ressalva que não estamos analisando um caso concreto, mas apenas discutindo, em tese, uma conduta que nos parece absurdamente rotineira e comum em cidades fronteiriças que é a conduta de importar azeite de oliva, muitas vezes para consumo próprio.

Importar mercadoria proibida pela Anvisa configura qual crime?

Quando se pensa numa mercadoria de importação proibida, a primeira figura penal que aparece em nossa mente é o crime de contrabando. Já escrevemos anteriormente, de maneira não acadêmica e meramente informativa, a respeito desse crime aduaneiro. Inclusive, esses posts despretensiosos e muitas vezes despidos ao máximo de todo o juridiquês são pensados justamente para alcançar pessoas sem formação jurídica que possuem a vontade de compreender questões complexas e, obviamente, não podemos explorar com muita profundidade esses temas, até por isso, os artigos acadêmicos são divulgados em seção separada do nosso site.

Ainda assim, para nossa feliz surpresa, esses posts são citados em trabalhos acadêmicos de alto nível como fontes bibliográficas, como fizeram recentemente pesquisadoras da Unipampa em interessante artigo sobre crimes de fronteira, o qual referencio aqui e recomendo a leitura.

Feitas as devidas considerações e alertas, prosseguimos cuidadosamente, mas sem pretensão acadêmica, frise-se.

É que a importação de azeite de oliva proibido parece configurar um crime mais específico que o de contrabando.

Importação de produtos alimentícios proibidos e o artigo 272 do Código Penal

Primeiro um alerta, para o Direito Aduaneiro, mercadoria tem uma definição ampla. Mas o próprio Código Penal chama essa mercadoria de produto. Logo, estamos tratando o produto como sinônimo de mercadoria.

Art. 272 – Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nociva à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º-A – Incorre nas penas deste artigo quem fabrica, vende, expõe à venda, importa, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado. 

O alerta precisa ser feito devido ao parágrafo 1-A do artigo 272 do Código Penal que EQUIPARA a conduta de importar essa mercadoria a quem corrompe, adultera, falsifica e altera e, desse modo, comina uma pena alta e dura àquele que faz a importação.

Desse modo, em tese, quem importa esse tipo de mercadoria (substância ou produto alimentício destinado a consumo) considerada como irregular por resolução da Anvisa (RE 1303/2021) por ser nociva à saúde, pode ser enquadrado nesse gravíssimo crime.

Outro alerta, importar para o Direito Aduaneiro também possui definição ampla, se entendendo como aquela conduta que traz a mercadoria para o território aduaneiro, independentemente da finalidade (revenda, consumo…). Isso de modo geral, sem adentrar na nuances do debate acadêmico envolvendo essa definição.

Desproporcionalidade sancionatória

Quem importa mercadoria proibida, em geral, é penalizado pelo crime de contrabando, o qual possui penas de 2 a 5 anos de reclusão. Isso significa, na prática, e ainda de modo geral, na aplicação de acordo de não persecução penal (ANPP, art. 28-A, do Código de Processo Penal), ou seja, não estamos tratando de um crime que tem como consequência a efetiva restrição de liberdade. Em termos mais simples, isso dificilmente “dá cadeia”.

Mas esse crime do artigo 272 do Código Penal, o qual chamaremos de falsificação de produtos alimentícios, em sua modalidade equiparada de importação, possui as penas de 4 a 8 anos de reclusão. Ou seja, já não cabe ANPP. Estamos tratando de um crime que possivelmente pode gerar uma condenação penal.

Mas as condutas são absolutamente idênticas nos dois crimes (importar mercadoria proibida).

A nosso ver inexiste fundamentação para justificar a penalização mais gravosa, devendo ser afastado o preceito secundário do artigo 272 do CP em prol da penalização já prevista ao crime de contrabando.

Lembrando que o Acordo sobre a Facilitação do Comércio, já internalizado e vigente, dispõe em seu artigo 6.3.3 que a sanção aduaneira imposta deve ser proporcional, deve depender dos fatos e circunstâncias do caso e também deve ser compatível com o grau e gravidade da infração.

E o grau de violação da infração, entendida no AFC em termos amplos, também incluindo a infração penal, nos parece ser o mesmo nos dois crimes, com a mesmíssima afetação ao bem jurídico tutelado (controle aduaneiro).


AUTOR: DIOGO BIANCHI FAZOLO, advogado, mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília.


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