Análise da multa aduaneira pela não destruição ou devolução ao exterior da mercadoria no prazo regulamentar
A multa do art. 46, § 6º, da Lei 12715/2012: Mercadoria estrangeira cuja importação não foi autorizada por órgão anuente e cuja obrigação de destruição ou de devolução ao exterior foi descumprida
Veja-se a multa do art. 46, §6º, da Lei 12715/201:
Art. 46. O importador de mercadoria estrangeira cuja importação não seja autorizada por órgão anuente com fundamento na legislação relativa a saúde, metrologia, segurança pública, proteção ao meio ambiente, controles sanitários, fitossanitários e zoossanitários fica obrigado a devolver a mercadoria ao exterior, no prazo de até 30 (trinta) dias da ciência da não autorização.
§ 6º Decorrido o prazo para devolução ou para destruição da mercadoria, consideradas as prorrogações concedidas pelo órgão anuente, e não tendo sido adotada a providência, aplica-se ao infrator, importador ou transportador, multa no valor de R$ 10,00 (dez reais) por quilograma ou fração da mercadoria, não inferior no total a R$ 500,00 (quinhentos reais).
E multa tipificada no art. 46, 7º, inc. I, da Lei 12715/2012:
§ 7º Transcorrido o prazo de 10 (dez) dias, contado a partir do primeiro dia depois do termo final do prazo a que se refere o § 6º, e não tendo sido adotada a providência:
I – o infrator, importador ou transportador, fica sujeito à multa no valor de R$ 20,00 (vinte reais) por quilograma ou fração da mercadoria, não inferior no total a R$ 1.000,00 (mil reais), sem prejuízo da penalidade prevista no § 6º.
Em síntese, a infração aduaneira ora em análise tipifica uma conduta omissiva de deixar de cumprir um prazo de modo injustificado. Ressalte-se que eventual prorrogação de prazo precisa ser pedida e deferida pelo órgão anuente e não pela Receita Federal.
O tipo infracional pretende tutelar de maneira eficaz o controle aduaneiro sobre o comércio exterior. Mas de quem é a responsabilidade pela multa?
1 – SOBRE A RESPONSABILIDADE ADUANEIRA DO DEPOSITÁRIO
O depositário possui responsabilidade sobre a mercadoria importada que se encontra em recinto alfandegado. De uma maneira mais ampla, estipula o Decreto-Lei 37/66 que:
Art . 32. É responsável pelo imposto:
I – o transportador, quando transportar mercadoria procedente do exterior ou sob controle aduaneiro, inclusive em percurso interno;
II – o depositário, assim considerada qualquer pessoa incumbida da custódia de mercadoria sob controle aduaneiro
É evidente que o responsável pela custódia da mercadoria possui responsabilidade sobre a mesma, por conta de sua condição de garantidor:
DECRETO 1910/1996
Art. 10. A concessão ou permissão para a prestação de serviços em terminal alfandegado de uso público será formalizada por contrato celebrado entre a União, representada pela Secretaria da Receita Federal, e a licitante vencedora.
§ 4º Do contrato a que se refere este artigo deverá constar cláusula prevendo que a concessionária ou permissionária assumirá a condição de fiel depositário da mercadoria sob sua guarda.
De acordo com o Regulamento Aduaneiro, o depositário também possui responsabilidade sobre multas aplicadas por não destruição de mercadoria no prazo adequado:
Art. 574. Não serão desembaraçadas mercadorias que sejam consideradas, pelos órgãos competentes, nocivas à saúde, ao meio ambiente ou à segurança pública, ou que descumpram controles sanitários, fitossanitários ou zoossanitários, ainda que em decorrência de avaria, devendo tais mercadorias ser obrigatoriamente devolvidas ao exterior ou, caso a legislação permita, destruídas, sob controle aduaneiro, às expensas do obrigado.
§ 1º O descumprimento da obrigação de que trata o caput será punido com a sanção administrativa de suspensão que trata a alínea “f” do inciso II do caput do art. 735.
§ 2º A obrigação de devolver ou destruir, nos termos deste artigo, aplica-se também a mercadorias para as quais não tenha havido registro de declaração de importação.
§ 3º A obrigação a que se refere o caput é do:
II – transportador, se não identificado o importador; ou
III – depositário, se o transportador ou o importador não cumprir a obrigação no prazo de trinta dias da determinação efetuada pela autoridade aduaneira.
Pelo RA, o depositário fica responsável pela destruição se o importador não cumprir a obrigação no prazo de 30 dias.
No entanto, o artigo 46 da Lei 12715/2012 ampliou a responsabilidade do depositário para todos os casos de não destruição da mercadoria:
Art. 46. […]
§ 7º Transcorrido o prazo de 10 (dez) dias, contado a partir do primeiro dia depois do termo final do prazo a que se refere o § 6º, e não tendo sido adotada a providência:
I – o infrator, importador ou transportador, fica sujeito à multa no valor de R$ 20,00 (vinte reais) por quilograma ou fração da mercadoria, não inferior no total a R$ 1.000,00 (mil reais), sem prejuízo da penalidade prevista no § 6º ;
II – o importador fica sujeito à suspensão da habilitação para operar no comércio exterior, na forma estabelecida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, sem prejuízo do disposto no inciso I deste parágrafo; e
III – a obrigação de devolver ou de destruir a mercadoria passará a ser do depositário ou do operador portuário a quem tenha sido confiada, e nesse caso:
a) será fixado novo prazo pelo órgão anuente para cumprimento da obrigação; e
b) o depositário ou o operador portuário ficará sujeito à aplicação das disposições do § 6º e do caput e inciso I deste parágrafo.
§ 8º Na hipótese a que se refere o inciso III do § 7º , o importador ou o transportador internacional, conforme o caso, fica obrigado a ressarcir o depositário ou o operador portuário pelas despesas incorridas na devolução ou na destruição, sem prejuízo do pagamento pelos serviços de armazenagem prestados.
Como se percebe, o depositário está sujeito às duas multas previstas no art. 46 da Lei 12715/2012, tanto a multa do §6º quanto a do inc. I do §7º. Parece seguro afirmar que sua responsabilidade foi ampliada em relação ao que dispunha o Regulamento Aduaneiro.
A título de complementação, a doutrina aduaneira explica que a responsabilidade aduaneira do depositário decorre do DL 37/66. Rosaldo Trevisan, ao comentar a responsabilidade tributário do transportador e do depositário traz algumas lições que elucidam o tema:
“[…] Como a operação de importação se inicia no exterior, ficando a mercadoria, a partir do embarque, sob a responsabilidade do transportador, até o momento de sua descarga, no País, quando é transferida ao depositário, conforme o art. 750 de nosso Código Civil – Lei n. 10406/2002 -, parece ter o legislador, de forma simplificada, buscado como responsáveis, pelo pagamento do imposto, exatamente os responsáveis pela guarda da mercadoria, durante o processo de importação.
E, depois da entrada, a mercadoria pode seguir em trânsito aduaneiro para outro recinto alfandegado. No trajeto, estará sob a guarda de transportador de percurso interno e, ao chegar, sob a guarda de novo depositário.
Por certo que nem o transportador nem o depositário possuem por objetivo importar mercadorias, sendo a previsão nitidamente ligada à situação de extravio, quando eles falham em seu dever de guarda, ocasionando a presunção de entrada sobre a qual falamos no tópico 5.2.4.2.
Nesses casos, em que se apura a responsabilidade, v.b., do transportador, pelo extravio, responsabilidade essa que não é tributária, dela decorre a responsabilidade pela introdução da mercadoria no território aduaneiro, de caráter tributário e aduaneiro, sendo, nesse sentido, a previsão do art. 32, caput, do Decreto-Lei n. 37/1966. E não há, aqui, que se falar em solidariedade com o efetivo importador da mercadoria extraviada. A responsabilidade é exclusiva, no caso, do transportador”. (TREVISAN, Rosaldo. O imposto de importação e o direito aduaneiro internacional. São Paulo: 2018, p. 375/376).
Portanto, a responsabilidade do depositário é aduaneira, nos termos do art. 32 do Decreto-Lei n. 37/1966. Em situações excepcionais ele responde exclusivamente pelo descumprimento das obrigações referentes à guarda da mercadoria.
Ao nosso entender, o abandono de mercadoria pelo importador é uma dessas situações excepcionais que podem acarretar na responsabilidade exclusiva do depositário pela infração de multa.
II – Necessidade de intimação de todos os interessados, sob pena de nulidade
Resta claro que o depositário precisa ser intimado de todos os atos que visem ao cumprimento das obrigações que podem lhe acarretar a responsabilidade aduaneira sobre mercadorias em sua guarda.
Ele precisa tomar ciência da obrigação de destruição de plano e não apenas nos casos de descumprimento do prazo de 30 dias, posto que ele pode responder pelas duas multas (art. 46, §6º e §7º, inc. I, Lei 12715/2012).
Veja-se o artigo 26 da Lei n. 9.784/99 (Processo administrativo fiscal):
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
[…]
§ 3o A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
Resta claro que a intimação precisa ser realizada.
Sobre a necessidade de intimação em processo administrativo fiscal em lides aduaneiras, veja-se a jurisprudência do egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO QUANTO À LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO. PENA DE PERDIMENTO. DESTINAÇÃO DAS MERCADORIAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE FORMAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. 1. A imposição da pena de perdimento pressupõe a regular tramitação de processo administrativo, onde observadas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. 2. Caso em que a empresa importadora não foi intimada acerca da lavratura do auto de infração, que propunha a aplicação da pena de perdimento às mercadorias importadas e culminou na destinação administrativa das mesmas, em leilão realizado à revelia dos interessados. 3. Considerando a ausência de irregularidades na apreensão das mercadorias no âmbito do Procedimento Especial de Controle Aduaneiro e na lavratura do auto de infração em si, não se verifica necessidade de anulação de tais atos administrativos. 4. Há, todavia, nulidade do processo administrativo fiscal a partir do momento em que a importadora não foi intimada para apresentar impugnação ao auto de infração. A conclusão do processo administrativo, com aplicação da pena de perdimento às mercadorias importadas, sem a intimação da empresa autuada, afronta o contraditório e a ampla defesa, configurando cerceamento de defesa. 5. Não havendo nulidade do ato de apreensão, a nulidade formal do processo administrativo não conduz, automaticamente, à restituição das mercadorias ou ao pagamento de indenização correspondente ao valor dessas. Tendo havido a anulação da pena de perdimento, não há de se falar na repetição dos tributos recolhidos por ocasião do registro da DI. 6. Apelação parcialmente provida. Reconhecida a sucumbência recíproca. (TRF4, AC 5002856-11.2017.4.04.7208, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 10/04/2019) .
Intimar apenas o importador para regularizar a situação da mercadoria não parece ser a melhor forma de conduzir o processo administrativo que verse sobre devolução ou destruição de mercadoria.