Artigos

Perdimento aduaneiro de bens pela Receita Federal do Brasil

O que é a decretação do perdimento de bens?

Decretar o perdimento de um bem consiste num ato que extingue a relação entre o proprietário e o objeto sobre o qual cai recai o ato (mercadoria, veículo, imóvel, aeronave, embarcação).

Administrativamente é uma consequência comumente aplicada à violação da legislação aduaneira envolvendo uma importação irregular. Também pode ser uma sanção penal, com aplicação na esfera judicial.

O perdimento de bens possui fundamento constitucional, sendo limitada pelo princípio da legalidade (artigo 5º, inc. XLV, da Constituição de 1988).

Em resumo, é uma sanção constitucional que atua como consequência negativa de um ato ilícito que visa extinguir a relação entre um proprietário e seu bem.

Exemplos: a sanção aduaneira de perdimento de bens prevista na legislação aduaneira e a sanção penal de perdimento de bens prevista na Lei n. 11.343/2003 (espécies do gênero perdimento constitucional de bens).

O que significa a palavra perdimento

A etimologia da palavra perdimento remonta ao termo “apoléia” (“ἀπώλεια”) da Grécia antiga, significando a ruína, destruição, punição eterna que segue ao julgamento final.

Tem raízes bíblicas, como ocorre em João, capítulo 17, versículo 12, quando Jesus chama Judas de “o filho da perdição” (“huios tés apoleias”).

Há um sentido pecaminoso também em sua origem em latim, da palavra “commissum”, cometer, pecar, errar.

FONTES: CARDOSO, Jerónimo. Dictionarium latino lusitanicum et vice versa lusitanico latinum. 1643, p. 39. THOMAS, Wilson. A christian dictionary. London, 1622, p. 486.

O que é a pena de perdimento por dano ao Erário?

Consequência negativa de uma violação à legislação. Pode ser aplicada administrativamente ou judicialmente, dependendo do tipo de violação, como dito anteriormente.

Pela estrutura da Constituição de 1988, é preferível falar em decretação do perdimento de bens (artigo 5º, inc. XLV) ou sanção de perdimento de bens, até para não confundir com a pena de perda de bens (artigo 5º, inc. XLVI), esta última um efeito da condenação criminal (art. 91, inc. II, do Código Penal).

No entanto, como a expressão “pena de perdimento” está amplamente difundida pensamos que também pode ser utilizada, desde que feita com a ressalva acima para não confundir o perdimento com a perda.

Portanto a “pena” de perdimento de bens é uma consequência negativa que atinge um bem, não se confunde com os efeitos da condenação penal (perda de bens) e possui expressa previsão constitucional.

Espécies de perdimento de bens: a sanção aduaneira de perdimento

A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer o perdimento de bens como uma sanção constitucional limitada apenas pela legalidade:

XLV – […] podendo […] a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

A ideia era de criar uma sanção que pudesse ser utilizada nos crimes de colarinho branco e de corrupção de maneira mais ágil que a sanção penal de perda de bens (efeito da condenação). Por isso, o perdimento de bens está limitado apenas pela legalidade e não pela pessoalidade da pena.

Daí porque preferimos tratar da SANÇÃO de perdimento de bens e não “pena de perdimento”, pela óbvia confusão.

Assim, defendemos que o legislador é livre para escolher as hipóteses que podem ser sancionadas com o perdimento. Inclusive sobre a destinação dos valores arrecadados com a destinação dos bens objeto de perdimento.

E, também por isso, que o perdimento aduaneiro de bens foi recepcionado pela constituição.

Vale ressaltar que o perdimento aduaneiro possui previsão legal no artigo 675 do Regulamento Aduaneiro, o que demanda uma explicação separada abaixo.

Art. 675 do Regulamento Aduaneiro: breves comentários

Art. 675.  As infrações estão sujeitas às seguintes penalidades*, aplicáveis separada ou cumulativamente***: I – perdimento do veículo; II – perdimento da mercadoria; III – perdimento de moeda;

** Em virtude da redação do artigo 5º, inc. XLV, segunda parte da Constituição Federal, que limita a decretação do perdimento de bens aos termos da lei, nos parece que o termo sanção seria mais adequado, como afirmado acima.

*** Note-se que o perdimento do veículo pode ser cumulado com o da mercadoria, situação que ocorre na infração aduaneira de transporte de mercadoria irregular. O fundamento legal é o DL 37/66.

Perdimento de veículos

Tratando da sanção aduaneira de perdimento a veículos, existem duas situações que são as mais comuns atualmente: em virtude do transporte de mercadoria irregular e em decorrência da introdução irregular do próprio veículo.

Considera-se como irregular toda mercadoria que esteja em circulação no território nacional sem a comprovação de sua importação irregular, ou seja, mercadoria que esteja sendo transportada em qualquer parte do território, mesmo fora da zona primária.

A irregularidade é presumida pela legislação aduaneira. Nota de saída do estabelecimento costuma ser ignorada (nota de ICMS). Portanto, é uma situação muito comum de ocorrer.

O detalhe aqui é que a legislação aduaneira apenas irá incidir sobre a mercadoria ESTRANGEIRA em circulação no Brasil, logo, mercadoria nacional ou nacionalizada não faz incidir a infração aduaneira de transporte irregular. Mais sobre o assunto aqui.

Também se aplica o perdimento aduaneiro aos veículos matriculados no exterior que estejam transitando de maneira irregular no Brasil.

Há uma presunção de irregularidade a todos os veículos que forem conduzidos por brasileiros que não se enquadrem no conceito de turistas (brasileiros não residentes no território nacional). Mais sobre o assunto aqui.

Mas existem outros casos, como o perdimento do carro que for considerado como batedor (outra infração por presunção); ônibus de turismo que não pagar a multa dos quinze mil no prazo legal; aeronave importada de maneira irregular…

Perdimento de mercadoria

Existem várias hipóteses legais determinando o perdimento da mercadoria, sempre envolvendo uma irregularidade em sua importação.

Muito comum de ocorrer com a bagagem acompanhada do viajante que não for declarada corretamente, ou com remessas internacionais irregulares, mercadorias abandonadas, etc.

Todas mercadoria estrangeira que estiver em trânsito no brasil (sendo transportada) precisa comprovar sua importação regular. A não comprovação gera uma presunção de irregularidade por força da legislação aduaneira.

Logo, é uma situação muito comum e que gera muitos inconvenientes, pois além de perder a mercadoria considerada como irregular, há também a comunicação do fato ao Ministério Público.

Rito do perdimento aduaneiro de bens

O perdimento tem vários ritos distintos, sobre o assunto sugerimos a leitura de outro post sobre o perdimento.

Consequências criminais da apreensão de mercadorias/veículos

Toda apreensão de mercadoria ou veículo que é considerado irregular por violação da legislação aduaneira também irá gerar uma representação fiscal para fins penais, para punição dos envolvidos pelo não recolhimento dos tributos aduaneiros por descaminho (ou contrabando se for o caso).

A incidência da legislação aduaneira repressiva envolve uma irregularidade na importação ou exportação de um bem, caso contrário não haveria o perdimento do mesmo. Logo, a aduana/alfândega é obrigada a comunicar o fato ao Ministério Público.

A comunicação é feita via representação fiscal para fins penais e pode ser consultada publicamente no COMPROT. Não existe um prazo decadencial previsto na legislação aduaneira para a retirada do registro da representação fiscal do Comprot, de modo que a informação fica disponível para consulta no site da Ministério da Fazenda por tempo indeterminado.

É comum que registros antigos (com mais de cinco) sejam utilizados (e lembrados) em casos de fiscalização posterior, sendo a informação usada contra os contribuintes muitos anos depois do ocorrido.

No entanto, a anulação administrativa ou judicial do perdimento deve gerar efeitos no registro da representação fiscal para fins penais, sendo retirada do Comprot e arquivada no Ministério Público Federal.


Diogo B. Fazolo, advogado e professor de direito aduaneiro.


);