Multa Regulamentar do IPI: Natureza Jurídica, Prescrição Intercorrente e Controle Aduaneiro

Multa regulamentar do IPI e seu enquadramento jurídico no direito aduaneiro brasileiro

A multa regulamentar do IPI ocupa posição central no sistema sancionatório aduaneiro brasileiro, sendo frequentemente aplicada em hipóteses relacionadas à circulação irregular de mercadorias estrangeiras e à ausência de comprovação da regular importação. Apesar de sua vinculação normativa ao Imposto sobre Produtos Industrializados, trata-se de sanção cuja natureza jurídica é administrativa, e não tributária, distinção que produz efeitos diretos sobre o regime prescricional aplicável.

Esse entendimento foi reafirmado recentemente pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em julgamento no qual atuamos diretamente, no âmbito da Apelação Cível nº 5000453-25.2024.4.04.7111, consolidando importante precedente sobre a incidência da prescrição intercorrente em processos administrativos que discutem a multa regulamentar do IPI.


Fundamento legal da multa regulamentar do IPI

A multa regulamentar do IPI tem como principal base normativa o artigo 83, inciso I, da Lei nº 4.502/1964, que prevê penalidade equivalente ao valor comercial da mercadoria quando houver entrega ao consumo de produto estrangeiro introduzido clandestinamente ou importado de forma irregular.

Esse dispositivo é reiterado e detalhado por normas infralegais, entre as quais:

  • Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro);
  • Decreto nº 7.212/2010 (Regulamento do IPI);
  • Lei nº 10.833/2003, que afasta a possibilidade de redução da multa em determinadas hipóteses.

Embora essas normas façam referência ao IPI, a infração punida não decorre do inadimplemento de tributo, mas da violação de deveres administrativos ligados ao controle aduaneiro e ao poder de polícia do Estado.


Natureza administrativa da multa regulamentar do IPI

O ponto central da controvérsia jurídica reside na definição da natureza da multa regulamentar do IPI. A Fazenda Nacional sustenta, com frequência, que se trata de obrigação acessória convertida em principal, nos termos do artigo 113, §3º, do CTN. Esse argumento, contudo, não se sustenta à luz da jurisprudência consolidada.

A infração sancionada não visa primordialmente à arrecadação ou à fiscalização do tributo, mas ao controle do trânsito internacional de mercadorias, característica típica de sanção administrativa aduaneira. O vínculo com o IPI é apenas formal, decorrente da localização normativa da penalidade.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.999.532/RJ, firmou orientação no sentido de que penalidades aplicadas em razão de descumprimento de deveres de controle aduaneiro não possuem índole tributária, ainda que colaborem reflexamente com a fiscalização fiscal.


Aplicação da Lei nº 9.873/1999 à multa regulamentar do IPI

Reconhecida a natureza administrativa da multa regulamentar do IPI, afasta-se automaticamente a aplicação do regime prescricional do Código Tributário Nacional. Nesses casos, incide a Lei nº 9.873/1999, que regula o exercício do poder sancionador da Administração Pública Federal.

Essa lei estabelece três marcos temporais relevantes:

  1. Cinco anos para o início da ação punitiva;
  2. Três anos para a conclusão do processo administrativo, sob pena de prescrição intercorrente;
  3. Cinco anos, após a constituição definitiva do crédito, para a cobrança judicial.

O §1º do artigo 1º é claro ao prever a prescrição intercorrente quando o processo administrativo permanece paralisado por mais de três anos, sem julgamento ou despacho útil.


Prescrição intercorrente e o entendimento do TRF-4

No julgamento da Apelação Cível nº 5000453-25.2024.4.04.7111, o TRF-4 reconheceu a prescrição intercorrente em processo administrativo que discutia a aplicação da multa regulamentar do IPI. No caso, após a interposição de recurso administrativo, o feito permaneceu paralisado no âmbito do CARF por período superior a três anos, sem qualquer ato apto a interromper o prazo prescricional.

A Corte reafirmou que:

  • A multa prevista no art. 83, I, da Lei nº 4.502/1964 possui natureza administrativa;
  • Não se trata de obrigação acessória tributária;
  • Aplica-se integralmente o regime da Lei nº 9.873/1999;
  • A paralisação injustificada do processo administrativo gera prescrição intercorrente, independentemente da discussão sobre exigibilidade do crédito.

Esse entendimento está em perfeita consonância com o Tema 1293 do STJ, que possui eficácia vinculante e consolida a aplicação da prescrição intercorrente às infrações aduaneiras de natureza não tributária.


Impactos práticos para empresas e importadores

O reconhecimento da prescrição intercorrente na multa regulamentar do IPI tem efeitos relevantes para empresas autuadas em procedimentos aduaneiros. Processos administrativos que permanecem anos sem julgamento não podem servir como instrumento de perpetuação do poder sancionador estatal.

Do ponto de vista jurídico, a correta qualificação da natureza da multa permite:

  • Anular autos de infração mantidos artificialmente em tramitação;
  • Evitar execuções fiscais baseadas em créditos prescritos;
  • Reforçar a segurança jurídica nas relações entre contribuintes e Administração Pública.

A atuação técnica no processo administrativo e no contencioso judicial é determinante para identificar paralisações relevantes e provocar o reconhecimento da prescrição.


Conclusão

A multa regulamentar do IPI não possui natureza tributária, mas administrativa, por estar vinculada ao exercício do poder de polícia aduaneiro e ao controle do comércio exterior. Essa definição afasta a aplicação do CTN e impõe a incidência da Lei nº 9.873/1999, inclusive quanto à prescrição intercorrente.

A jurisprudência recente do TRF-4 e do STJ consolida esse entendimento e reforça a necessidade de análise técnica rigorosa dos processos administrativos aduaneiros. No caso da Apelação Cível nº 5000453-25.2024.4.04.7111, no qual atuamos, ficou demonstrado que a inércia estatal não pode prejudicar o administrado.

Trata-se de precedente relevante para importadores, distribuidores e empresas sujeitas à fiscalização aduaneira, especialmente em um cenário de crescente rigor sancionatório.

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