Receita não pode apreender veículo estrangeiro com admissão temporária vencida
Sobre o excesso de prazo de permanência em território nacional de veículo matriculado no exterior que estava em regime de admissão temporária no Brasil
O regime aduaneiro de admissão temporária tem rito próprio estabelecido na IN 1600/2015. Primeiro intima-se o beneficiário do regime para manifestação em 10 dias. Após, se o beneficiário não regularizar de plano o regime, ainda tem 30 dias para proceder com a reexportação da mercadoria ou com seu despacho para consumo.
Instrução Normativa n. 1600/2015
Art. 51. O beneficiário será intimado a manifestar-se, no prazo de 10 (dez) dias, sobre o descumprimento total ou parcial do regime nas seguintes hipóteses:
I – vencimento do prazo de vigência do regime, sem que haja sido requerida a sua prorrogação ou adotada uma das providências previstas no art. 44;
[…]
§ 1º Vencido o prazo de 10 (dez) dias estabelecido no caput, sem atendimento da intimação ou a comprovação do cumprimento do regime, o beneficiário será intimado a promover, no prazo de 30 (trinta) dias, a reexportação ou o despacho para consumo do bem admitido.
§ 2º Em qualquer caso, comprovado o descumprimento do regime, é exigível o recolhimento da multa de 10% (dez por cento) do valor aduaneiro da mercadoria, prevista no inciso I do caput do art. 72 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003.
Frise-se que no âmbito do direito aduaneiro, mercadoria tem um conceito amplo, para incluir tudo aquilo que seja passível de classificação aduaneira e que se sujeita a controle aduaneiro. O veículo se enquadra nesse conceito de mercadoria quando ingressa no país sob o regime de admissão temporária.
No entanto, tratando-se de veículo automotor usado, as únicas possibilidades permitidas ao beneficiário do regime seriam a própria renovação do regime ou a reexportação (saída definitiva). Comprovado o descumprimento, a autoridade aduaneira pode lavrar a multa de 10% sobre o valor aduaneiro da mercadoria.
Sobre o descumprimento do regime de admissão temporária, ensina Solon Sehn que:
“Assim, nos casos de descumprimento, o beneficiário deve ser intimado para manifestar-se no prazo de dez dias, nas seguintes hipóteses:
(a) Não adoção de uma das providências de extinção tempestiva (reexportação, entrega à Receita Federal, destruição sob controle aduaneiro, transferência para outro regime aduaneiro ou despacho para consumo):
(a.1) após o vencimento do prazo de vigência sem a apresentação de pedido de prorrogação;
[…] Vencido o prazo de 10 dias, deve ocorrer outra intimação, nos termos do § 1º, do art. 51 da IN RFB 1600/2015, com a abertura de novos 30 dias para que o beneficiário promova a reexportação ou despacho para consumo” (SEHN, Solon. Curso de Direito Aduaneiro. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 369-371).
O descumprimento do regime não gera o perdimento. Trata-se de posicionamento consolidado na jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. INGRESSO DE AERONAVE (HELICÓPTERO) NO TERRITÓRIO NACIONAL. REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA. AUTO DE INFRAÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 690 DO REGULAMENTO ADUANEIRO. PENA DE PERDIMENTO PELA IMPORTAÇÃO IRREGULAR OU FRAUDULENTA. NÃO OCORRÊNCIA. PENALIDADE AFASTADA. PLEITO DE INDENIZAÇÃO DE SUCATEAMENTO NÃO COMPROVADO. POSSIBILIDADE DE AFERIR O VALOR DO DANO NA FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA SE O TÍTULO JUDICIAL ESTIVESSE ESTABELECIDO OS CRITÉRIOS. 1. Cuida-se de ação ordinária com a pretensão deduzida na inicial de anular o auto de infração que aplicou a pena de perdimento em aeronave (Helicóptero) ao fundamento de importação irregular ou fraudulenta, prevista no art. 690 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009). 2. O artigo 353 do Regulamento Aduaneiro prevê que o regime de admissão temporária permite a importação de bens que devam permanecer no país durante prazo fixado, com suspensão total de tributos ou apenas parcial, na hipótese em que a mercadoria esteja sendo importada para utilização econômica. 3. Já o art. 690 do Regulamento Aduaneiro assim dispõe: “aplica-se ainda a pena de perdimento da mercadoria de procedência estrangeira encontrada na zona secundária, introduzida clandestinamente no País ou importada irregular ou fraudulentamente”. 4. O fundamento para a aplicação da pena de perdimento constante do auto de infração foi a importação irregular ou fraudulentamente da aeronave, conforme o art. 690 do Regulamento Aduaneiro. Contudo, a conduta invocada pela autoridade administrativa não se amolda ao suporte fático hipotético expresso na referida norma. 5. Com efeito, o ingresso da aeronave no território nacional foi regular porque se deu por meio do deferimento do regime de admissão temporária para a finalidade de turismo, pelo período de 14/04/2010 até 31/12/2010, sendo que, antes mesmo do encerramento do prazo, ainda em 29/12/2010, foi solicitada a mudança do regime de admissão temporária para a utilização econômica. 6. Além disso, somente em 27/01/2012, a autoridade administrativa indeferiu o pedido de transferência de regime, o que denota ter a aeronave permanecido de abril a dezembro no regime de admissão temporária previsto na legislação aduaneira nacional, o que afasta o fundamento do auto de infração de importação irregular ou fraudulenta. 7. Ademais, eventual descumprimento do regime admitido atrairia a execução do Termo de Responsabilidade ao invés da aplicação da pena de perdimento da aeronave, com o recolhimento pelo contribuinte dos tributos e outros gravames devidos pela inadimplemento da legislação tributária, conforme previsão do art. 369, IV, e 760 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/09). 8. Nesse contexto de descumprimento do regime de admissão temporária com a finalidade de turismo, a sentença pontualmente assim asseverou: “Em suma, não há provas mínimas de que tenha a Autora descumprido o regime de admissão temporária a que estava sujeito e que tenha, realmente, agido com dolo ou má-fé, como deduzido no processo administrativo, por isso que a presunção de legitimidade dos atos administrativos cede diante dos fatos”. 9. O reconhecimento da inaplicabilidade dos dispositivos que fundamentaram a imposição da pena de perdimento é suficiente para deslegitimar a autuação fiscal. Precedente: AgRg no AREsp 223.660/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 10/11/2015. 10. A jurisprudência desta eg. Sétima Turma é firme no sentido de que a pena de perdimento é medida extrema, aplicável quando evidente o dolo de lesar o Fisco ou fraudar a importação, sendo que as normas de regência devem sempre ser interpretadas de maneira sistêmica, atendendo os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Precedente: AC 0008177-59.2012.4.01.3300/BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HERCULES FAJOSES, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 de 26/08/2016. 11. O pleito de indenização pelo sucateamento da aeronave deveria ter sido provado na fase de conhecimento, uma vez que somente é possível a apuração do valor na fase de liquidação de sentença se o título judicial estivesse estabelecido os seus critérios. Precedente: AgRg no REsp 791.529/RN, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/08/2007, DJ 10/09/2007, p. 192. 12. Apelações desprovidas.
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EMENTA: TRIBUTÁRIO. INGRESSO DE VEÍCULO NO PAÍS. TURISTA. ADMISSÃO TEMPORÁRIA. FRAUDE NÃO PRESUMIDA. – Tendo ocorrido o ingresso do apelante no País na condição de turista, e diante da caracterizada situação de mero trânsito do veículo entre dois países, sem indício algum de finalidade comercial, não há como presumir que a importação e conseqüente internalização da mercadoria gerou lesão ao Fisco, para o fim de aplicar-se a penalização cabível. Não se pode confundir o tráfego de veículos automotores próprios com a circulação comercial, posto que esta pressupõe a finalidade lucrativa da ação, o que não ocorre naquele. O descumprimento da obrigação de obter a admissão temporária do veículo não pode sobrepor-se ao fato de que a internação do bem deu-se temporariamente, vinculada ao regular ingresso do proprietário como turista. A apreensão e a eventual pena de perdimento que dela decorra têm sua aplicação restrita às hipóteses legalmente previstas, dentre as quais não se insere a situação do turista que ingressa com veículo de sua propriedade para uso temporário, durante sua estada em território nacional. (TRF4, AMS 2001.04.01.067787-6, PRIMEIRA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, DJ 26/04/2006).
Portanto, tendo ocorrido a entrada regular do veículo em território nacional, com a concessão do regime aduaneiro de admissão temporária, eventual descumprimento do regime não leva à conclusão de ocorrência de infração punível com perdimento.
Nesse sentido, é a decisão proferida pelo Juiz Federal da Subseção Judiciária de Roraima, dr. FELIPE BOUZADA FLORES VIANA, o qual mandou a receita federal restituir veículo apreendido de propriedade de um venezuelano (íntegra da decisão).
DIOGO B. FAZOLO, advogado, pós graduado em Direito Aduaneiro pela Unicuritiba, mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília, membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/PR.