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Contencioso aduaneiro e a necessidade de intimação de todos os sócios da PJ

O juiz federal, Dr. Rony Ferreira, da 2ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, anulou auto de infração e apreensão de multa em virtude da não intimação de todos os sócios da pessoa jurídica no processo administrativo.

A sentença que foi publicada em 30 de março de 2021, numa ação patrocinada por nosso escritório, definiu que:

“Manter o lançamento da multa, como requerido pela Fazenda Nacional, implica em assumir que o direito de defesa administrativa que o autor pretende exercer é inócuo e inexistente, eis que se afirmaria de antemão que sua defesa será indeferida. Tal assunção fere o princípio da ampla defesa, pois o autor tem direito a exercer sua defesa, comprovar suas alegações e ter resposta fundamentada por parte da autoridade competente (autos n. 5004689-86.2020.4.04.7005)”.

Veja íntegra da decisão clicando aqui.

Para entender o caso: um veículo de propriedade de um pessoa jurídica foi objeto de estelionato e, posteriormente, encontrado abandonado com cigarros contrabandeados. Assim, a autoridade aduaneira lavrou o auto de infração da multa contra a pessoa jurídica e seus sócios. No entanto, deixou de intimar todos os sócios e decretou a revelia. Com o término deste processo de perdimento da mercadoria, foi lavrado, contra os sócios, o auto de infração da multa pelo transporte de cigarros, equivalente a dois reais por maço transportados.

Responsabilidade aduaneira por infrações e a necessidade de intimação de todas as pessoas interessadas

Para o direito aduaneiro todos os responsáveis por uma infração respondem pela mesma. Em outras palavras, todos são coautores. Assim, todos os envolvidos precisam fazer parte do polo passivo do processo administrativo e, consequentemente, intimados dos atos do procedimento.

Especialmente em casos envolvendo pessoas jurídicas, é necessário que se intime também as pessoas físicas que fazem parte da sociedade, posto que infrações aduaneiras também geram consequencias criminais e estas são direcionadas à pessoa física.

Em casos de multas aduaneiras decorrentes do perdimento de mercadorias é imprescindível que todas as pessoas responsabilizadas pela multa, também participem do processo administrativo da mercadoria. É que o rito aqui demanda uma duplicidade de processos. Primeiro se decreta o perdimento da mercadoria (num processo) e depois a multa é lavrada em consequência deste perdimento (num outro processo).

Conflitos entre a legislação aduaneira e a legislação que rege o processo administrativo federal

Em regra, aplica-se o Decreto-lei n. 1.455/1976 ao procedimento que apurar uma infração aduaneira. Mas o DL é lacônico e precisa ser complementado. Por vezes, isso ocorre por portarias e instruções normativas.

Mas não se pode esquecer que a lei federal 9.784/1999 que disciplina o processo administrativo federal, por exemplo, também pode ser aplicada para suprir as lacunas do DL 1455. No entanto, isto nem sempre ocorre, muitas vezes por comodismo de decretar a revelia e lavrar a multa contra pessoas que não tem ciência do processo.

Veja-se o que diz a lei federal que disciplina o processo administrativo federal:

Art. 9o São legitimados como interessados no processo administrativo: I – pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;

Portanto, todos que tem interesse no processo precisam ser intimados. Obviamente que alguém que está sujeito ao pagamento de uma multa tem interesse no processo administrativo.

Nulidade da intimação direcionada a apenas um dos sócios da PJ

A legislação aduaneira dispõe que a intimação editalícia deve ser o último recurso para notificação do interessado:

Decreto-Lei 37/1966

Art.124 – A intimação a que se refere o artigo anterior ou para satisfazer qualquer exigência, obedecerá a uma das seguintes formas, como estabelecer o regulamento:

I – pessoalmente;

II – através do Correio, pelo sistema denominado “AR” (Aviso de Recebimento);

III – mediante publicação no “Diário Oficial” da União ou do Estado em que estiver localizada a repartição ou em jornal local de grande circulação;

IV – por edital afixado na portaria da repartição.

O artigo  27, § 2º, do DL 1455/1976 deve ser lido em complementação ao DL 37/66 (lei específica, anterior e mais abrangente):

Art 27. As infrações mencionadas nos artigos 23, 24 e 26 serão apuradas através de processo fiscal, cuja peça inicial será o auto de infração acompanhado de termo de apreensão, e, se for o caso, de termo de guarda. § 1º Feita a intimação, pessoal ou por edital, a não apresentação de impugnação no prazo de 20 (vinte) dias implica em revelia.

A intimação precisa ser realizada. Primeiro são esgotadas as tentativas de notificação pela via pessoal ou pelos correios. Depois disso é que se procede à intimação por edital. Vejam-se os precedentes do TRF-4:

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL.  ADUANEIRO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INTIMAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE.  1. O artigo 27, §1º, do Decreto-lei 1.455/76, deve ser interpretado em consonância com o princípio constitucional que assegura o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo e com o disposto no artigo 124 do Decreto-lei 37/1966, que enumera, em sequência, as formas válidas de intimação do contribuinte no procedimento administrativo aduaneiro. 2. De início a autoridade administrativa deve proceder à intimação pessoal. Caso não consiga localizar o contribuinte em seu domicílio fiscal ou ele se encontre em lugar incerto e não sabido, resta a alternativa da intimação por edital. 3. Reconhecida a nulidade da intimação por edital no procedimento administrativo em que foi apurada a infração de contrabando, porquanto não foi empreendida tentativa de notificação pessoal, são nulos todos os atos subsequentes. (TRF4, AC 5013930-74.2012.4.04.7002, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 04/05/2020).
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PROCESSUAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL. PERDIMENTO DE VEÍCULO. INTIMAÇÃO POR EDITAL. A intimação por edital apenas se legitima quando restar impossibilitada a intimação pessoal (o que não restou comprovado no presente feito), impõe-se o reconhecimento da nulidade do Edital nº 171/2011 e dos atos seguintes praticados no Processo Administrativo nº 01.25191-7, da Delegacia da Receita Federal em Cascavel, diante da violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. (TRF4, AC 5007141-65.2012.4.04.7000, PRIMEIRA TURMA, Relatora MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, juntado aos autos em 04/12/2013).

Portanto, se não houve tentativa de intimação o processo é nulo. A intimação por edital não pode ocorrer apenas em nome de um dos interessados.


Diogo B. Fazolo, advogado, professor de direito aduaneiro, membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/PR.


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