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O Tema 1042 do STF: crédito tributário não se confunde com multa aduaneira

O Tema 1042 STF

O Supremo Tribunal Federal julgou recentemente o recurso extraordinário RE 1090591, dando origem ao Tema 1.042: “É constitucional vincular o despacho aduaneiro ao recolhimento de diferença tributária apurada mediante arbitramento da autoridade fiscal”. 

Veja-se trecho do voto do Ministro Marco Aurélio no RE 1090591:

Não se tem coação indireta objetivando a quitação tributária, mas regra segundo a qual o recolhimento das diferenças fiscais é condição a ser satisfeita na introdução do bem no território nacional, sem o qual não se aperfeiçoa a importação. O grifo é nosso.

O voto do Ministro Alexandre de Morais no mesmo RE 1090591 segue a mesma ideia de que a conclusão do desembaraço aduaneiro depende do pagamento dos tributos:

Portanto, não há violação à livre iniciativa em condicionar o ingresso da mercadoria importada, no País, ao recolhimento dos tributos devidos, uma vez que a exigência nada mais é que condição necessária à conclusão do despacho aduaneiro. O grifo é nosso.

Portanto, não são desembaraçadas mercadorias que tenham sido objeto de exigência aduaneira de pagamento de crédito tributário, salvo mediante garantia.

Crédito tributário não se confunde com multa aduaneira

Note-se que estamos tratando de créditos TRIBUTÁRIOS e não de multa.

De acordo com o Regulamento Aduaneiro:

Artigo 570. Constatada, durante a conferência aduaneira, ocorrência que impeça o prosseguimento do despacho, este terá seu curso interrompido após o registro da exigência correspondente, pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável.

§ 2º Na hipótese de a exigência referir-se a crédito tributário ou a direito antidumping ou compensatório, o importador poderá efetuar o pagamento correspondente, independente de processo.

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Artigo 571 – Desembaraço aduaneiro na importação é o ato pelo qual é registrada a conclusão da conferência aduaneira § 1º Não será desembaraçada a mercadoria:

I – cuja exigência de crédito tributário no curso da conferência aduaneira esteja pendente de atendimento, salvo nas hipóteses autorizadas pelo Ministro de Estado da Fazenda, mediante a prestação de garantia.

Logo, o próprio Regulamento Aduaneiro já faz tal distinção entre multa e crédito.

O tema está agora pacificado, já que ambos os ministros mencionam expressamente em seus votos os artigos citados do Regulamento Aduaneiro acima. Assim, em homenagem ao egrégio Supremo Tribunal Federal e a decisão vinculante acima colacionada, os importadores devem pagar as diferenças de natureza tributária que forem apuradas pela administração para fins de conclusão do desembaraço aduaneira de sua mercadoria.

Subfaturamento e retenção

Vale lembrar que não há retenção de mercadoria em casos de subfaturamento, conforme expressa previsão da Instrução Normativa 1986/2020:

Art. 4º A execução do Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras não impede a instauração de outros procedimentos para o mesmo interveniente, e poderá implicar:

I – a retenção de mercadorias importadas, quando houver indícios de infração punível com a pena de perdimento, nos termos do Capítulo II; e

II – a apreensão de mercadorias, quando houver elementos que permitam, de forma inequívoca e imediata, a caracterização da infração punível com a pena de perdimento, nos termos do Capítulo III.

Portanto, a liberação depende apenas do pagamento das diferenças dos tributos apurados.

Assim, percebe-se como a legislação aduaneira está, aos poucos, sendo compatibilizada com a Convenção de Quioto Revisada e com o Acordo de Facilitação do Comércio. Se é certo que a exigência de pagamentos de tributos para a conclusão do desembaraço é permita e lícita, também é certo que o exercício do controle aduaneiro não é ilimitado e deve se pautar pela razoabilidade e mínima intervenção aduaneira.

No mesmo sentido, veja-se a norma 6.2 prevista na Convenção de Quioto Revisada, internalizada pelo Decreto 10.276/2020:

6.2. Norma: O controle aduaneiro limitar-se-á ao necessário para assegurar o cumprimento da legislação aduaneira.

O princípio da mínima intervenção aduaneira determina que as administrações aduaneiras devem aplicar os controles aduaneiros de maneira eficaz para aumentar o comércio mundial, oferecendo aos comerciantes medidas facilitadoras.

A decisão recente do STF exarada no Tema 1042 coaduna-se com a CQR ao permitir a cobrança dos tributos devidos, mesmo que isso implique no pagamento da diferença sobre o valor aduaneiro arbitrado.

No entanto, inexiste qualquer autorização para a cobrança antecipada das multas aduaneiras na legislação aduaneira e o Tema 1.042 deixou bem claro que a conclusão do despacho depende apenas do pagamento dos tributos: “É constitucional vincular o despacho aduaneiro ao recolhimento de diferença tributária apurada mediante arbitramento da autoridade fiscal”.

Doutrina e Jurisprudência

O entendimento defendido acima parece estar se solidificando na doutrina aduaneira. No mesmo sentido, cumpre colacionar a elucidativa e clara lição doutrinária:

A segunda questão tem relação com a distinção que deve ser feita quanto à exigência de crédito tributário e de multa administrativa ao controle aduaneiro das importações por ocasião do desembaraço aduaneiro, pois fora invocado no voto do ministro Marco Aurélio o artigo 571, §1º, do Decreto nº 6.759/2009, o qual menciona apenas exigência de “crédito tributário”, conceito no qual não se enquadram as multas administrativas decorrentes de infração ao controle aduaneiro. Assim, o precedente alcança também essas espécies de multa, tais como as multas previstas nos artigos 84 e 88 da Medida Provisória nº 2.158/2001, no artigo 69, §1º, da Lei nº 10.833/2003, e nos artigos 706 a 711, do Regulamento Aduaneiro? (PONCIANO, Vera Lúcia Feil. O Tema 1.042 julgado pelo STF e as multas administrativas ao controle aduaneiro (despacho aduaneiro). Conjur, 2021).

E ao que tudo indica, também parece ser o caminho que seguirá a jurisprudência. Veja-se a recente decisão liminar proferida pelo Dr. AUGUSTO CÉSAR PANSINI GONÇALVES, Juiz Federal Substituto da 6ª Vara Federal de Curitiba:

Diante do exposto, defiro o pedido de liminar, para autorizar a liberação da mercadoria descrita na Declaração de Importação n. XX, mediante o pagamento dos tributos devidos e das diferenças tributárias exigidas após o arbitramento administrativo do valor aduaneiro, devendo a autoridade impetrada abster-se de condicionar a liberação ao pagamento das multas aduaneiras, sem prejuízo de sua cobrança em processo administrativo, nos termos do Decreto nº 70.235/72 (íntegra da decisão).

Em resumo, a multa aduaneira não se confunde com o crédito tributário e o fisco não pode condicionar o desembaraço aduaneiro ao pagamento de multas.


DIOGO B. FAZOLO, advogado especialista em direito aduaneiro, professor, Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília.


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