Representação fiscal para fins penais – Portaria 1750/2018
Mudanças introduzidas na representação fiscal para fins penais pela Portaria da RFB n. 1750/2018 tem profundos impactos políticos e doutrinários no processo aduaneiro sancionador de Representação fiscal para fins penais.
Sabe-se que os dados da Representação fiscal ficam disponíveis no COMPROT para consulta pública! O que pouca gente sabe é que locadoras de veículos e outras empresas usam estas informações e isso tem um impacto negativo na vida de muitas pessoas.
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1. Necessidade do esgotamento da esfera administrativa.
O artigo 10 determina a permanência da representação em sede administrativa até a decisão final em esfera administrativa sobre o crédito tributário correspondente.
Quando o crédito tributário decorre de infrações sancionadas com o perdimento o impacto na tramitação da representação é pequeno. É que o perdimento é julgado em instância única, decisão que não tem motivos para levar mais que 6 meses. Fica a dúvida se o pedido de relevação interrompe ou não a lavratura da representação, haja vista que não se trata de recurso propriamente dito.
E casos de aplicação da multa substitutiva do perdimento, ela – a representação – pode ser encaminhada ao órgão do Ministério Público Federal (MPF) ainda que pendente de decisão final em processo administrativo fiscal.
2. O pagamento administrativo do crédito tributário como forma de extinção da punibilidade.
O parágrafo segundo, do mesmo artigo 10, ainda permite o pagamento como forma de extinção da punibilidade.
É um debate antigo da doutrina se o crime de contrabando pode ser extinto pelo pagamento do crédito tributário correspondente.
E alguns casos de contrabando geram créditos tributários, como na multa pelo transporte de cigarros. Será interessante observar a aplicação do artigo 10, § 2º, nos casos de pagamento da multa proveniente e as consequencias para a representação penal em tais casos já que não existe limitação alguma na Portaria.
Com certeza a expressão “extinção da punibilidade” irá gerar muitas dúvidas, já que estamos tratando de uma portaria. Mas como o efeito aqui é o arquivamento da representação e, sem ela, fica prejudicada a ação penal em alguns casos.
É que pode ocorrer do contrabando não gerar uma prisão em flagrante e inquérito policial, como ocorre no abandono de veículo com cigarros, por exemplo. E sem inquérito o arquivamento da representação corresponde a uma extinção administrativa de punibilidade, já que não teremos uma ação penal.
No caso da lavratura de infração com indicação de tributos sonegados é perfeitamente possível argumentar que o seu pagamento também possui como efeito a extinção da representação, mesmo inexistindo um crédito tributário. Aqui se fala em dano ao erário e não crédito, mas trata-se de uma tese sólida de defesa que deverá ser enfrentada por juízes criminais.
3. Não aplicação do perdimento também gera o arquivamento da representação. Outra forma de extinção da punibilidade?
Mais adiante, o § 3º do artigo 12 menciona a hipótese de arquivamento da Representação fiscal para fins penais quando não for aplicado o perdimento à infração aduaneira.
Por não aplicação é defensável que se sustente que os casos de anulação do perdimento também tenham consequencias na esfera criminal e agora temos um fundamento bastante sólido para tanto.
No caso de importação de veículos usados haverá uma possibilidade concreta de extinguir eventual ação penal de contrabando pela anulação da sanção de perdimento.
4. O pedido de relevação como forma de extinção da punibilidade. Direito subjetivo de análise por autoridade superior àquela que decretou o perdimento.
Ganha relevância, ainda, o pedido de relevação do perdimento, cujo efeito prático é justamente a não aplicação do perdimento e, por consequencia, a extinção da representação penal.
Aliás, a jabuticaba que conhecemos por relevação tem outra peculiaridade que é a competência do Ministro da Fazenda para sua apreciação e a possibilidade de delegação desta competência pelo Ministro. Existem casos conhecidos de relevação do perdimento de aeronaves por antigos Ministros da Fazenda e fica no ar a dúvida: é um direito subjetivo do contribuinte ter seu pedido de relevação analisado por autoridade superior àquela que decretou o perdimento?
É certo que o Ministro da Fazenda não irá analisar todos os pedidos de relevação da sanção de perdimento, o que explica a possibilidade de delegação de tal autoridade (RA, artigo 736, § 2º). Mas como o rito de perdimento é feito em instância única é normal que a delegação recaia no delegado que já decretou o perdimento.
E daí teríamos uma violação ao Acordo de Facilitação do Comércio, compromisso internacional recentemente assumido pelo Brasil e punível pela OMC. O que nos leva a crer que a análise da relevação por autoridade superior àquela que já analisou a impugnação é um direito subjetivo do contribuinte, situação que pode gerar uma ilegalidade na apreciação da relevação pelo mesmo delegado que já decretou o perdimento.
5. Multa substitutiva do perdimento é crédito tributário?
O ponto principal da Portaria é este, em nossa opinião. Casos em que a sanção de perdimento não pode ser aplicada por algum motivo, por exemplo na consumação da mercadoria ou venda, aplica-se a multa substitutiva.
E a multa pode vir a gerar um crédito tributário após o esgotamento da esfera administrativa. Se antes havia um dano ao Erário punível com perdimento, a conversão desta sanção em multa irá permitir o arquivamento da representação pelo pagamento da multa.