Sobre a tributação do ICMS na loja franca (free shop) terrestre
O que é uma loja franca terrestre?
Loja franca é um regime aduaneiro especial com incentivos fiscais sobre a operação de importação, ou seja, ele se distingue do regime aduaneiro comum de importação por contar com uma isenção condicional no pagamento dos tributos federais.
Em outras palavras, há um conjunto de regras específicas ao regime aduaneiro especial de loja franca. Não confundir com outro regime especial, a zona franca.
A loja franca foi criada como uma forma de permitir que a mercadoria estrangeira entre no território aduaneiro do Brasil e seja vendida sem o pagamento dos impostos incidentes sobre a importação a turistas em viagens internacionais (entre outros).
O regime se pauta pelo interesse do país na integração internacional (LIZIANE, Meira. Regimes aduaneiros especiais. São Paulo: IOB, 2002, p. 161 e 338).
A loja franca, em regra, está localizada em portos e aeroportos, justamente por se destinar aos turistas em viagens internacionais.
No entanto, existe um regramento específico à lojas francas fora de aeroportos e portos, que permite a estabelecimento instalado em cidade gêmea de cidade estrangeira na linha de fronteira do Brasil, vender mercadoria nacional ou estrangeira a pessoa em viagem terrestre internacional, contra pagamento em moeda nacional ou estrangeira.
É a loja franca (em fronteira) terrestre e sua regulamentação está na Portaria MF 307/2014 e IN 1799/2018.
Isenção dos tributos federais
A importação irá ocorrer com a isenção dos tributos federais que de outro modo incidiriam sobre a importação: II, IPI, PIS-COFINS.
A mercadoria importada ao amparo do regime é desembaraçada com suspensão do pagamento de tributos federais. Ou seja, no momento do registro da DI, ocasião em que seriam pagos os tributos, incide uma suspensão no pagamento dos tributos federais.
A suspensão é convertida em isenção no momento da venda, conforme a Portaria MF 307/2014, art. 12: A mercadoria nacional adquirida ao amparo do regime sairá do estabelecimento industrial ou equiparado com isenção de tributos federais.
E o ICMS-importação devido no momento do registro da DI (declaração de importação)? Este precisa ser regulamentado por legislação estadual.
Insegurança jurídica na tributação do ICMS no Estado do Paraná
No estado do Paraná, temos o DECRETO ESTADUAL N. 9.993 de 2018 que incluiu a isenção do ICMS às saídas de mercadorias da loja franca, ou seja, isentou de ICMS a venda da mercadoria:
Alteração 169ª O inciso I do “caput” do item 88 do Anexo V passa a vigorar com a seguinte redação:
“I – saídas promovidas por LOJAS FRANCAS (“free-shops”) instaladas nas zonas primárias dos aeroportos de categoria internacional e autorizadas pelo órgão competente do Governo Federal, e em sedes de municípios caracterizados como cidades gêmeas de cidades estrangeiras, autorizadas de acordo com o art. 15-A do Decreto-Lei n. 1.455, de 7 de abril de 1976 (Convênios ICMS 91/1991 e 4/2014);(NR)”.
O primeiro ponto a ser levantado é a restrição da isenção apenas a lojas francas instaladas em zonas primárias dos aeroportos internacionais, o que exclui a zona franca terrestre. Nos parece que existe (pelo menos) uma dúvida sobre a isenção do ICMS na saída da mercadoria de loja franca terrestre, o que gera insegurança jurídica.
O ICMS devido pela importação da mercadoria conta com suspensão diferida atrelada a essa suspensão de saída:
Art. 459. Nas importações de bens para integrar o ativo permanente, ou de mercadorias, por meio dos Portos de Paranaguá e de Antonina e de aeroportos paranaenses, realizadas por estabelecimentos comerciais e não industriais contribuintes do ICMS, o valor do imposto a ser recolhido, por ocasião do desembaraço aduaneiro neste Estado, corresponderá à aplicação do percentual de 6% (seis por cento) sobre o valor da base de cálculo da operação de importação, ficando diferida a diferença entre esse valor e aquele apurado por meio da aplicação da alíquota própria para a respectiva operação (RICMS/PR).
De fato, o ICMS-importação diferido pode ser aplicada à loja franca terrestre. Mas como ficaria a tributação do ICMS na saída do estabelecimento nos casos de lojas francas em fronteiras terrestres?
No entanto, há ainda um terceiro ponto a ser analisado que é o conceito de cidade gêmea, uma jabuticaba que também vai gerar insegurança jurídica.
Cidade gêmea ou localidade fronteiriça vinculada
A IN 1799/2018 se utilizou desse conceito de cidade gêmea para definir a loja franca terrestre (estabelecimento instalado em cidade gêmea de cidade estrangeira na linha de fronteira do Brasil).
Contudo, a mesma IN 1799/2018 estabeleceu que o reconhecimento de cidade gêmea depende de ato do Ministro de Estado da Fazenda. E o reconhecimento de Foz do Iguaçu, por exemplo, como cidade gêmea foi realizado por Portaria do Ministério da Integração (PORTARIA No 125, DE 21 DE MARÇO DE 2014).
E posteriormente, a Portaria MF Nº 325, DE 28 DE JUNHO DE 2018 validou este reconhecimento: “Para efeitos do disposto nesta Portaria, consideram-se cidades gêmeas aquelas constantes da legislação específica do Ministério da Integração Nacional”.
A utilização do conceito de cidade gêmea é uma fonte de insegurança jurídica por estar vinculada a um reconhecimento pelo Ministério da Economia, via ato normativo que pode ser alterado com grande facilidade. Basta alterar (via portaria) o parágrafo único do artigo 2º da Portaria MF 307/2014 (incluído pela Portaria MF 325).
Questionamos a necessidade de se utilizar de um conceito como cidade gêmea quando já existe o de localidades fronteiriças vinculadas, inclusive por acordo internacional já promulgado por decreto. As cidades fronteiriças com a Argentina já são vinculadas, por exemplo.
Outro caso, Foz do Iguaçu foi reconhecida como localidade fronteiriça vinculada a Puerto Iguazu (Argentina), conforme acordo internacional promulgado no Brasil por meio do Decreto n. 8.636 em 2016. Mas a mesma cidade não foi reconhecida ainda como fronteira vinculada a Cidade do Leste (Paraguai) por conta da não promulgação do decreto presidencial (do acordo já firmado com o Paraguai pelo Itamaraty).
Como que se explica essa jabuticaba ao investidor estrangeiro?
Sem contar a criação de uma obrigatoriedade de ressarcimento ao FUNDAF por ato declaratório executivo:
Art. 4º A empresa beneficiária do regime aduaneiro especial de loja franca em fronteira terrestre ora habilitada fica obrigada a ressarcir o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf), instituído pelo Decreto-Lei nº 1.437, de 17 de dezembro de 1975, em decorrência das despesas administrativas relativas às atividades extraordinárias de fiscalização, no montante resultante da aplicação dos seguintes percentuais sobre a receita bruta com vendas:
I – de mercadorias de origem estrangeira: 6% (seis por cento); e
II – de mercadorias de origem nacional, inclusive as exportadas sem saída do território nacional, cuja entrega se dê a pessoa jurídica beneficiária do regime: 3% (três por cento).