Ranking dos contrabandistas – a pior ideia da semana
Ranking dos contrabandistas – a pior ideia da semana
De boas intenções o inferno está cheio. O ranking dos contrabandistas ganha, com folga, o título de pior ideia dos últimos tempos quando o tema é a guerra ao contrabando.
Já tivemos episódios sofríveis anteriormente, como a aquisição de um VANT (veículo aéreo não tripulado) de Israel, a peso de ouro, utilizado poucas vezes e depois abandonado, provavelmente por falta de pagamento da licença de uso. Um grande exemplo de populismo penal na guerra ao contrabando. Milhões foram desperdiçados, e hoje aquele drone gigante repousa desmontado nas proximidades da Tríplice Fronteira.
No entanto, expor e divulgar nacionalmente o nome de aproximadamente 60 mil pessoas físicas e jurídicas com base em representações fiscais para fins penais consegue superar todas as iniciativas anteriores, com um custo potencial infinitamente superior.
A falta de conhecimento jurídico sobre como funciona a repressão ao contrabando e ao descaminho no Brasil garante um lugar de destaque para o ranking dos contrabandistas.
Contrabando e descaminho são crimes distintos
O primeiro erro do ranking decorre do desconhecimento do Direito Penal Aduaneiro. Contrabando é um crime que visa, primordialmente, impedir a entrada de mercadorias proibidas no território aduaneiro.
Entende-se por mercadoria proibida aquela que possui restrição relativa ou absoluta quanto à entrada ou saída do território aduaneiro. Exemplos: importação de cigarro irregular, carabina de pressão, medicamentos/anabolizantes em pequena quantidade, tabaco para narguilé etc. A pena criminal é de reclusão de 2 a 5 anos.
Já o descaminho, que sequer é crime em vários países, trata da falta de recolhimento dos tributos aduaneiros. É um crime que busca proteger o controle da aduana sobre a entrada e saída de mercadorias do território brasileiro. São punidos aqueles que violam o controle aduaneiro na introdução ou extração irregular de mercadorias estrangeiras não proibidas e que deixarem de recolher os tributos devidos. A pena é de reclusão de 1 a 4 anos.
São crimes distintos, com condutas e penas distintas. A maioria dos casos se resolve por acordo com o Ministério Público Federal, pois ambos se enquadram nos requisitos do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), por tratarem de infrações sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 anos.
Portanto, em regra, inexiste condenação criminal por descaminho ou contrabando no Brasil, dada a baixa gravidade das condutas e das penas.
É óbvio que não se pode equiparar as condutas. Tampouco se pode equiparar aqueles que praticam, em tese, essas condutas.
Ranking das mercadorias contrabandeadas ou descaminhadas?
Ignorando a distinção prevista no Código Penal, o ranking trata de mercadorias que não são proibidas: telefones, eletrônicos, informática, bebidas, vestuários, videogames, relógios etc.
É evidente que o ranking não trata exclusivamente do crime de contrabando.
Para que serve uma representação fiscal para fins penais?
A representação apenas comunica ao Ministério Público Federal a prática, em tese, de um crime. Normalmente, sequer aponta qual o crime praticado e raramente distingue entre contrabando e descaminho — papel que cabe ao órgão acusatório.
Não é incomum que a representação só seja enviada após o término do processo administrativo fiscal. Também não é raro que tais infrações sejam revistas administrativa ou judicialmente.
O que significa a independência de instâncias no Brasil?
Suponha-se a apreensão de telefones importados irregularmente. Será instaurado um processo administrativo fiscal para decretar o perdimento. Após a decisão, encaminha-se a representação.
Mas, e se a sanção for revertida? É possível, em tese, responder criminalmente sem que haja o perdimento? Sim, mas não deveria. Se não houve violação ao controle aduaneiro, qual a justificativa para sanção penal? Nenhuma.
O contrário também ocorre: sanção administrativa sem posterior condenação penal — muitas vezes por razões de política criminal, dada a baixa pena e o valor inexpressivo, como mostra o próprio ranking.
A lista de casos insignificantes é vasta.
Ranking dos contrabandistas?
Eis a pergunta central: por que expor o nome de milhares de pessoas que sequer responderão criminalmente? Qual a base legal dessa medida?
Expor casos insignificantes de descaminho é, claramente, uma medida de política criminal populista. Divulgar nomes como se fossem criminosos — quando isso é apenas uma possibilidade — é grave violação de direitos e garantias individuais.
Certamente choverão ações por danos morais contra a União.
O ranking é mais um episódio sofrível da guerra ao contrabando.
Para quem não acreditar: