O excesso de prazo da investigação de fraude aduaneira gera liberação da mercadoria?
Há prazo para instaurar o procedimento de fiscalização previsto na IN 1986/2020?
Após o registro, a Declaração de Importação será submetida a análise fiscal e selecionada para um dos canais de conferência aduaneira, dentre os quais se inclui o canal cinza, pelo qual será realizado o exame documental, a verificação da mercadoria e a apuração de elementos indiciários de fraude.
O prazo para a apuração dos elementos indiciários de fraude no curso de conferência aduaneira, em qualquer canal, será de 16 (dezesseis) dias, contado da data da distribuição da DI para o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pelo despacho aduaneiro.
Quando uma DI é parametrizada no canal cinza, o auditor tem 16 dias para instaurar o procedimento de fiscalização previsto na IN 1986/2020.
Assim, estando parametrizada em canal cinza, a importação segue a regra prevista no art. 41-B, da IN 680/2006:
Art. 41-B. O prazo para a apuração dos elementos indiciários de fraude no curso de conferência aduaneira, em qualquer canal, será de 16 (dezesseis) dias, contado da data da distribuição da DI para o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pelo despacho aduaneiro.
A dúvida que ressai é a seguinte: a violação do prazo do art. 41-B, da IN 680/2006 acarreta na liberação da mercadoria? Nosso entendimento é que sim, deve haver a liberação da mercadoria.
Existe sólido entendimento jurisprudencial no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que entende que excesso de prazo no despacho aduaneiro acarreta na liberação da mercadoria:
IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS. DESPACHO ADUANEIRO. CANAL VERMELHO. EXCESSO DE PRAZO. LIBERAÇÃO. Selecionada a declaração de importação para o canal vermelho de conferência aduaneira e excedido o prazo para conclusão do desembaraço aduaneiro, impõe-se a liberação das mercadorias importadas. (TRF4 5002833-54.2015.404.7008, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 14/09/2016).
*
IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS. PRAZO PARA PROCESSAMENTO DO DESPACHO DE IMPORTAÇÃO. EXCESSO. INDENIZAÇÃO. DESPESAS COM TAXA DE ARMAZENAGEM DE MERCADORIAS E DEMURRAGE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. No caso de destinação da Declaração de Importação para o canal amarelo de conferência aduaneira, inexiste prazo específico previsto na legislação aduaneira, pelo que se aplica, por analogia, o prazo de oito dias, previsto no art. 4º do Decreto nº 70.235, de 1974. 2. Excedido o prazo para processamento do despacho aduaneiro, a União deve indenizar os gastos que a parte autora teve com as despesas relativas à taxa de armazenagem das mercadorias e demurrage, proporcionalmente aos dias em excesso. 3. Em se tratando de sentença ilíquida, a definição do percentual dos honorários advocatícios deve se dar quando da liquidação do julgado, nos termos do art. 85, § 4º, II, da Lei 13.105, de 2015, os quais devem incidir sobre o valor da condenação. (TRF4, AC 5002569-37.2015.4.04.7008, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 05/12/2017)
E a própria Instrução Normativa que disciplina sobre a apuração de fraudes aduaneiras (IN 1986/2020) determina que apenas em casos passíveis de perdimento é que se retém mercadorias:
Art. 6º O Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pela execução do Procedimento de Fiscalização de Combate às Fraudes Aduaneiras poderá reter as mercadorias importadas sempre que houver indícios de infração punível com a pena de perdimento, observadas as disposições deste Capítulo.
Assim, por vias transversas, a autoridade aduaneira acaba retendo a mercadoria por mais prazo do que o previsto na legislação mesmo em casos em que isso está vedado (casos de multa).
Ademais, o exercício do controle aduaneiro não é ilimitado e deve se pautar pela razoabilidade e mínima intervenção aduaneira. O princípio da mínima intervenção aduaneira determina que as administrações aduaneiras devem aplicar os controles de maneira eficaz para aumentar o comércio mundial, oferecendo aos comerciantes medidas facilitadoras (ZAMBRANO, Efrén Antonio Minuche. Procedimientos de control aduanero: entre la eficiencia y el debido proceso em el derecho comparado. IN: CARRERO, Germán Pardo. Derecho Aduanero. Bogotá: Tirant lo Blanch, 2019, p. 566, t. II).
No mesmo sentido, veja-se a norma 6.2 prevista na Convenção de Quioto Revisada, internalizada pelo Decreto 10.276/2020:
CONTROLE ADUANEIRO
6.1. Norma
Todas as mercadorias, incluindo os meios de transporte, que entrem no território aduaneiro ou dele saiam, independentemente de serem ou não sujeitas a direitos e demais imposições, ficarão sujeitas a controle aduaneiro.
6.2. Norma
O controle aduaneiro limitar-se-á ao necessário para assegurar o cumprimento da legislação aduaneira.
Portanto, quando a autoridade aduaneira se nega a instaurar o procedimento, prolongando indevidamente uma investigação de supostas fraudes ela está cometendo uma ilegalidade. Violando o art. 41-B, da IN 680/2006, o excesso de prazo também ataca a garantia do devido processo legal, devendo-se liberar a mercadoria.
AUTOR: DIOGO BIANCHI FAZOLO, advogado, mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília, membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/PR.