Alterações no perdimento aduaneiro de bens: o que mudou com a nova lei?
A “nova lei do perdimento” (Lei 14.651/2023) trouxe várias novidades em relação ao perdimento aduaneiro de mercadorias, veículos e moeda, mas quais foram as alterações? Abaixo, explicaremos de modo didático e do modo mais simples possível o que mudou no rito do perdimento, com a devida atenção à Portaria 1005/2023 que regulamentou o tema.
Não se trata de um artigo acadêmico, mas apenas de algumas explicações de dúvidas que nos foram feitas por clientes e colegas.
Como a Lei 14.651 afeta o leilão de bens apreendidos pela receita federal?
Antes era necessário encerrar o processo administrativo, então enquanto o processo estivesse em andamento a destinação não poderia ocorrer (alienação, incorporação ou destruição). O perdimento era julgado em instância única, sem a possibilidade de recurso, mas o pedido de relevação evitava a destinação (e também o leilão, que é uma das espécies de destinação por alienação).
Agora é possível destinar a mercadoria ou veículo após a revelia ou decisão de primeira instância. A suspensão pode ocorrer pela via judicial, com ordem expressa para não destinação.
No entanto, a destinação antecipada não é obrigatória, já que o artigo 15 da Portaria referida estabelece que: “A destinação da mercadoria ou do veículo poderá ser autorizada […]”.
Assim, de modo geral, o Delegado da Receita Federal responsável por gerenciar as mercadorias e veículos apreendidos pode esperar a decisão final por cautela, justamente para evitar o pagamento de indenização administrativa.
Obviamente que existem peculiaridades em relação à destinação, conforme a Portaria 200/2022 que regulamenta a destinação de mercadorias apreendidas.
O que é a indenização pela destinação de mercadorias?
Se uma mercadoria ou veículo for destinado (doado, leiloado, etc…) os mesmos não podem ser restituídos, justamente por já terem sido destinados. Assim o proprietário que conseguir anular o auto de infração precisa ser indenizado. Ou seja, é necessário restituir ao interessado o equivalente em dinheiro que corresponde ao valor atualizado da mercadoria ou veículo destinado.
Esse é um ponto interessante. Existe um fundo (FUNDAF) que também é responsável por custear as indenizações administrativas das pessoas que conseguirem reverter uma decisão de destinação.
Primeiro ponto então, a destinação antecipada pode não ser vantajosa para a aduana. Segundo, a indenização do interessado ocorre na própria unidade da Receita Federal que fizer a destinação, atualizando o valor da mercadoria ou veículo que consta do auto de infração.
Terceiro, eventuais perdas e danos não são indenizados, isso deve ser objeto de deliberação judicial.
Quarto, a indenização deve ser resolvida administrativamente de modo rápido, bastando informar a decisão administrativa ou judicial que determinou a restituição e o número da conta bancária do interessado.
Os bens apreendidos podem ser liberados antes da decisão administrativa final?
Caso se trate de uma importação de mercadoria submetida a despacho aduaneiro mediante registro de declaração de importação, o rito seguido é o da IN 1986/2020, a qual permite a liberação da mercadoria mediante garantia. Aqui estamos tratando do procedimento de fiscalização utilizado no combate de fraudes aduaneiras.
Para os outros casos sancionados com perdimento não existe expressa previsão legal na Portaria 1005/2023 ou no Decreto-Lei 1.455/1976 para a liberação de mercadoria retida ou apreendida mediante garantia, o que é um grande problema. Aqui estão incluídos os casos de apreensão de bagagem de viajantes, de apreensão de veículos de turistas com mercadoria irregular, etc.
Ao que tudo indica, a política aduaneira utilizada para esses casos que não se enquadram na IN 1986 é de retenção como regra, ou seja, as mercadorias e veículos permanecerão em depósito até a decisão administrativa, o que vai de encontro com a motivação da própria Lei 14.651/2023 que era de redução de custos de armazenagem (para a aduana). Também vai de encontro com a tendência internacional de utilizar a retenção como exceção, apenas para casos realmente necessários.
Assim, a liberação vai depender do rito. Seguindo-se a IN 1986/2020 que é um rito preliminar para fins de investigação, é possível liberar a mercadoria. Fora desse rito, a retenção cautelar será a regra e a liberação da mercadoria irá ocorrer apenas pela intervenção judicial.
É possível liberar pagando multa?
Não há previsão legal para aplicar a multa substitutiva para fins de liberação.
Os ritos do perdimento: quantos existem?
O mosaico do processo administrativo de perdimento de bens é o seguinte:
Importações declaradas com apreensão (na data da lavratura do auto de infração): procedimento de fiscalização utilizado no combate às fraudes aduaneiras (IN 1986/2020 + DL 1455/1976) – 20 dias para impugnação e recurso (CEJUL)
Importações declaradas sem apreensão: (IN 1986/2020 + D 70.235/1972) – 30 dias para impugnação e recurso (DRJ – CARF)
Importações irregulares com apreensão– DL 1455/1976 (20 dias dias – CEJUL)
Importações irregulares sem apreensão – D 70.235/1972 (30 dias – DRJ – CARF)
Importações via remessa internacional – rito em instância única (IN 1737/17, art. 51)
O recurso administrativo impede a destinação da mercadoria?
Como visto acima, o recurso administrativo não vai ter efeito suspensivo e não vai impedir, por si só, que a mercadoria ou veículo seja leiloado, incorporado, doado, etc…
Mas qual é o prazo máximo de retenção de mercadorias?
Depende do rito. A IN 1986 tem prazo máximo de retenção de mercadorias. Como os outros ritos não tem prazo especificado na legislação aduaneira é aplicado de modo subsidiário o prazo geral dos processos administrativos que é de 30 dias, por ausência de regulamentação específica na legislação aduaneira.
Qual o prazo para julgamento em Primeira instância?
Depois de lavrado o auto de infração e feita a impugnação ou declarada a revelia, aplica-se o prazo de 30 dias da Lei 9784/1999 (art. 49), por ausência de determinação de um prazo específico no DL 1455/1976, na Portaria 1005/2023 ou na Portaria 348/2023.
Os recursos tem prazo para julgamento?
Como inexiste um prazo determinado no DL 1455/1976, na Portaria 1005/2023 ou na Portaria 348/2023 aplica-se o prazo de 30 dias da Lei 9784/1999 (art. 49).
E como fica a representação fiscal para fins penais?
Penso que aqui nada muda, ela deve ficar aguardando a remessa até a decisão final do perdimento, não podendo ser encaminhada ao Ministério Público Federal enquanto o processo administrativo estiver em andamento.
E a relevação?
Como não foi revogada, a relevação continua possível.
Dúvidas?
DIOGO BIANCHI FAZOLO, advogado, mestre em Direito (UCB), especialista em Direito Aduaneiro (Unicuritiba).