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Inaptidão de CNPJ por irregularidade em operação de comércio exterior

Inaptidão de CNPJ por infração aduaneira em operação de comércio exterior

Uma das consequências da aplicação da sanção de perdimento pela interposição fraudulenta da mercadoria é instauração do procedimento para fins de aplicação da sanção administrativa de inaptidão de CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica).

Portanto, a pessoa jurídica que for acusada de cometer irregularidades em operações de comércio exterior também está sujeita a ser representada para fins de ter seu CNPJ inabilitado, nos termos do artigo 81, §1º, da Lei n. 9.430/1996.

Suspensão de CNPJ e a defesa administrativa

O artigo 44 da Instrução Normativa RFB nº 1863, de 2018 disciplina sobre a suspensão prévia do CNPJ:

Art. 44. No caso de pessoa jurídica com irregularidade em operações de comércio exterior, de que trata o inciso III do caput do art. 41, o procedimento administrativo de declaração de inaptidão deve ser iniciado por representação consubstanciada com elementos que evidenciem o fato descrito no citado inciso.

§ 1º A unidade da RFB com jurisdição para fiscalização dos tributos sobre comércio exterior que constatar o fato ou a unidade de exercício do Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pelo procedimento fiscal, ao acatar a representação citada no caput, deve:

I – intimar a pessoa jurídica, por meio de edital publicado no sítio da RFB na Internet, no endereço citado no caput do art. 14, ou alternativamente no DOU, para, no prazo de 30 (trinta) dias:

a) regularizar a sua situação; ou

b) contrapor as razões da representação; e

II – suspender a inscrição no CNPJ da pessoa jurídica citada no inciso I a partir da data de publicação do edital mencionado nesse mesmo inciso.

O dispositivo legal acima colacionado é cruel e desproporcional, posto que suspende o CNPJ de ofício, antes do término do processo administrativo de representação, posto que impede a protocolização de defesa pelo ECAC, já que a suspensão também atinge o uso do ECAC e atualmente a Receita Federal está sem atendimento presencial por conta da pandemia.

Como se espera que a empresa exerça seu direito de defesa administrativa mediante a suspensão de ofício e intimação por edital?

Necessidade de prova robusta para a inaptidão de CNPJ

É comum a discussão sobre a existência de fato de empresas em processos de interposição fraudulenta. É que o fisco possui uma visão extremamente restritiva e ultrapassada sobre o funcionamento de empresas que atuam no comércio exterior. Atualmente, é possível fazer operações de compra e venda de mercadorias utilizando plataformas de marketplace de modo a enxugar ao máximo a estrutura física da empresa. Por vezes, uma única pessoa consegue importar, alocar a mercadoria em depósitos de terceiros, efetuar a venda e operar a empresa, o que elimina a necessidade de grandes depósitos, muitos funcionários, etc.

Só que isso é visto com maus olhos pelo fisco, o qual ainda se prende numa lógica de que apenas grandes empresas conseguem operar com revenda de mercadoria importada no mercado nacional. O simples fato de um empresa não possuir número de telefone fixo pode gerar uma infração de interposição (como se não existissem alternativas viáveis).

Por isso, defendemos a necessidade de prova robusta para a aplicação da sanção de inaptidão. Não estamos sozinhos nessa cruzada, veja-se o que diz a doutrina aduaneira:

Desta forma, nos casos de interposição fraudulenta sem a devida comprovação que a empresa inexiste de fato e não exerce suas atividades regularmente, resta a impossibilidade de representação para inaptidão de CNPJ”. (MORAES, Augusto Fauvel. Impossibilidade da inaptidão de CNPJ na interposição fraudulenta. IN: Tema de Direito Aduaneiro. Rio de Janeiro: POD Editora, 2020, p. 349).

Controvérsias sobre a sanção adequada

Desde a promulgação do art. 33 da Lei n 11.488/2007 a conduta de ceder nome, por parte do importador, pode sujeitar a aplicação da multa de 10% do valor da operação, em substituição à declaração de inaptidão do CNPJ. Ou seja, a multa instituída pela Lei nº 11.488/2007, quando cabível, impede a inaptidão de CNPJ aplicável à pessoa jurídica que ceder seu nome.

É que a multa acima declinada visa a impedir a aplicação genérica e desenfreada da inaptidão de empresas pela autoridade fiscal.

Deve-se alertar, ainda, que no direito aduaneiro pátrio a responsabilidade por infrações aduaneiras segue o disposto no artigo 95 do Decreto-Lei n. 37/66, o qual estabelece que respondem pela infração, todos que concorrerem para sua prática, ou dela se beneficiarem.

Portanto, a responsabilidade aduaneira por infrações prevê apenas o instituto da coautoria, de modo que todos respondem pela mesma ação.

De tal modo, tanto o importador quanto o cedente respondem pela mesma infração praticada pelo importador. Logo, a cessão de nome não é uma conduta autônoma, mas infração-meio da conduta de interposição. Inexiste concurso de tipos infracionais, aplicando-se a especialidade da multa ao cedente, posto que o bem jurídico tutela é idêntico: controle aduaneiro. No mesmo sentido, cumpre colacionar a lição de Solon Sehn sobre a especialidade da multa:

[…] A Lei nº 11.488/2007 – em função da dimensão reduzida do benefício auferido pelo importador ostensivo e da hipossuficiência econômica própria de quem se presta ao papel de testa de ferro – estabeleceu uma sanção especifica, proporcional à gravidade de sua atuação, valorada objetivamente em dez por cento. (SEHN, SOLON. Comentários ao regulamento aduaneiro. São Paulo: Aduaneiras, 2019 p. 262/263). Os grifos são nossos.

Jurisprudência

Veja-se o que diz o Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO MEDIANTE INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS. CONVERSÃO DA PENA DE PERDIMENTO DE BENS NA MULTA PREVISTA NO ART. 23, V E § 3º, DO DECRETO-LEI N. 1.455/1976. PENALIDADE APLICÁVEL APENAS AO IMPORTADOR OCULTO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA COM O ART. 33 DA LEI N. 11.488/2007.

1. A controvérsia veiculada nos presentes autos diz respeito à aplicação, em caráter solidário, da multa prevista no § 3º do art. 23 do Decreto-Lei n. 1.455/1976 ao importador ostensivo na hipótese de importação mediante interposição fraudulenta de terceiros efetiva (art. 23, V, do Decreto-Lei n. 1.455/1976) e presumida (§ 2º do Decreto-Lei n. 1.455/1976 e art. 33 da Lei n. 11.488/2007), quando da impossibilidade da aplicação da pena de perdimento prevista no § 1º de referido decreto.

2. A interpretação sistemática de referidos dispositivos denota que os casos de importação mediante interposição fraudulenta de terceiro – irrelevante seja ela efetiva ou presumida – admite a aplicação primeira da pena de perdimento de bens e, na sua impossibilidade, consequente aplicação da multa correspondente ao valor da operação ao importador oculto (§ 3º do Decreto-Lei n. 1.455/1976), bem como a aplicação da multa de 10% do valor da operação ao importador ostensivo (art. 33 da Lei n. 11.488/2007).

3. A lógica adotada pelo Tribunal de origem faz todo o sentido, uma vez que, com a pena de perdimento da mercadoria decorrente da interposição fraudulenta – seja ela efetiva ou presumida -, o patrimônio que realmente se busca atingir pertence ao importador oculto. Ora, se a própria pena de perdimento decorre justamente da conclusão de que houve interposição fraudulenta, ou seja, de que a importação que se realiza foi custeada por outra pessoa em desacordo com a legislação de regência, é forçoso concluir que a finalidade da norma, no seu conjunto, é atingir o patrimônio do real importador.

4. Tem-se que não foi por outra razão que o legislador, buscando também submeter o importador ostensivo a uma sanção, estipulou a multa de 10% do valor da operação quando ceder seu nome, inclusive mediante a disponibilização de documentos próprios, para a realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas ao acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários (art. 33 da Lei n. 11.488/2007).

5. Registre-se, por fim, que não procede a alegativa fazendária de que a multa prevista no § 3º do Decreto-Lei n. 1.455/1976 seria aplicada somente quando houver cessão de nome pelo sócio ostensivo, pois a compreensão é que em toda e qualquer importação mediante interposição fraudulenta o importador se vale do seu nome para a realização das operações de comércio exterior de terceiros.

6. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1632509/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 26/06/2018).

Cumpre citar uma decisão recente da Dra. Vera Ponciano em mandado de segurança manejado por nosso escritório, a qual determinou a pronta reativação do CNPJ de uma empresa:

“Presente, por conseguinte, o primeiro requisito (fumus boni juris).

Igualmente presente o segundo requisito – periculum in mora – na medida em que a continuidade da atividade empresarial exercida pela impetrante depende da regularidade junto ao CNPJ, sem a qual não poderá comprar, vender, atuar no sistema bancário etc., equivalendo isso à “morte” da empresa.

III. Diante do exposto, determino à autoridade impetrada que se abstenha de suspender cautelarmente a  inscrição da impetrante no CNPJ, com todas as suas consequências, até posterior decisão a ser proferida em Processo Administrativo específico, após o exercício da ampla defesa e do contraditório, em que a autoridade competente conclua eventualmente pela inaptidão do CNPJ” (MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5013208-31.2021.4.04.7000/PR).

Precisamos louvar a rapidez deste caso, o qual foi distribuído às 16h20 e menos de três horas depois já tinha sido despachado pela juíza federal da 6ª Vara Federal de Curitiba. Para a íntegra da decisão clique aqui.


Diogo Bianchi Fazolo, advogado, professor de direito de aduaneiro. Membro da Comissão de direito aduaneiro da OAB/PR.


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