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Divergências no ato de constituição da empresa não comprovam a infração aduaneira de interposição fraudulenta

Em decisão recente, nosso escritório obteve vitória e anulou um auto de infração de interposição fraudulenta no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre.

Em síntese, a empresa importadora foi acusada pelo fisco de ter fraudado a importação de máquinas e ocultado terceiros na operação de importação. O fundamento principal utilizado para justificar a lavratura do auto foram divergências na constituição da pessoa jurídica.

Ocorre que a recente decisão em Porto Alegre confirmou o entendimento de que a infração de interposição fraudulenta depende de indício de fraude na própria operação de importação, sendo que eventual fraude ou simulação no ato de constituição da empresa não configuram a infração aduaneira.

Veja-se trecho do relatório do acórdão do Juiz Federal Convocado Dr. Alexandre Rossato da Silva Ávila:

Da leitura atenta dos Autos de Infração, verifica-se que a comprovada falsificação de documentos e uso de documentos falsos, mediante a utilização de “laranjas” no quadro societário da empresa, ocultando os verdadeiros sócios XXX, não se ajusta à tipificação da infração aduaneira de interposição fraudulenta de terceiros na importação.

A interposição fraudulenta de terceiros, que autoriza a imposição da pena de perdimento das mercadorias, na forma do art. 23, inciso V, do Decreto-lei nº 1.455/76, “é todo ato em que uma pessoa, física ou jurídica, aparenta ser o responsável por uma operação que não realizou, interpondo-se entre uma parte (o fisco) e outra (o real beneficiário – responsável pela operação) para ocultar o sujeito passivo” (TRF4, AC 5001059-97.2017.4.04.7208, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 19/03/2021).

Em outras palavras, a configuração do tipo infracional capitulado no art. 23, V, do DL nº 1.455/76 – interposição fraudulenta de terceiros – exige que, especificamente na própria operação de importação, ocorra a ocultação do sujeito passivo, mediante fraude ou simulação, ou a falta de comprovação da origem dos recursos empregados.

No caso, a Receita Federal apurou a interposição de terceiros no quadro societário da empresa, e não nas operações de importação propriamente ditas.

A documentação acostada aos autos comprova que o sujeito passivo ou responsável pela importação, e comprador,  foi a empresa XXX. A importação foi realizada diretamente pela empresa, e não foi demonstrada a ocorrência de fraude ou de simulação na importação e nem a interposição fraudulenta de terceiros, uma vez que a relação jurídica foi estabelecida de forma direta entre a exportadora e a importadora.  Se o importador cujo nome consta na declaração de importação foi efetivamente a mesma pessoa jurídica responsável pela operação, não há terceiro oculto.

As divergências na constituição da pessoa jurídica, embora relevantes no exame da idoneidade do importador, não caracterizam a infração de interposição fraudulenta. A fraude ou simulação no ato de constituição da empresa deve ser reprimido na esfera penal e administrativa, mas não se confunde com a conduta descrita no art. 23, V, do DL 1.455/76 – a qual exige que o responsável pela operação de comércio exterior seja pessoa diversa daquela constante nos documentos instrutivos do despacho aduaneiro.

Em casos análogos, o entendimento deste Tribunal Regional Federal:

ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE CONTROLE ADUANEIRO. IN RFB 1169/2011. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS E SUBFATURAMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDADOS INDÍCIOS. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. 1. A importação realizada por interposta pessoa, mediante simulação e ocultação do real importador ou responsável pela operação, configura infração que enseja a aplicação da pena de perdimento, nos termos do art. 23, V, § 1º, do Decreto-Lei 1.455/1976. 2. A falta de esclarecimentos acerca  da origem dos recursos empregados em operação de comércio exterior pode ensejar a caracterização de interposição fraudulenta. 3. Eventual falha na constituição da sociedade não possui o condão, por si só, de caracterizar a interposição fraudulenta, a qual exige, essencialmente, que uma das partes tenha sido falsamente declarada, nos documentos instrutivos do despacho aduaneiro, como real importador, ou exportador, naquela operação específica. 4. Ausentes fundados indícios de ocultação do real importador, subfaturamento ou falsidade dos documentos instrutivos do despacho aduaneiro, deve ser mantida a concessão da segurança, com a liberação da mercadoria no curso do procedimento especial previsto na IN RFB 1169/2011. (TRF4 5003778-82.2017.4.04.7101, PRIMEIRA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 17/03/2022)

ADUANEIRO E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO.  IRREGULARIDADES NA CONSTITUIÇÃO DA EMPRESA QUE NÃO SE CONFUNDEM COM A OCULTAÇÃO DO REAL IMPORTADOR. PENA DE PERDIMENTO POR INTERPOSIÇÃO FRADULENTA DE TERCEIROS. INAPLICABILIDADE. 1. Não há falar em ocultação do real comprador ou interposição fraudulenta de terceiros quando a real adquirente das mercadorias é a importadora ostensiva declarada nos documentos instrutivos da operação de comércio exterior. 2. Eventual simulação no ato de constituição da empresa não se confunde com a conduta descrita no art. 23, V, do DL 1.455/76 – a qual exige que o responsável pela operação seja pessoa diversa daquela constante na declaração de importação. (TRF4 5005267-28.2015.4.04.7101, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 24/10/2018)

Por outro lado, a parte autora comprovou a origem dos recursos utilizados, mediante operação de leasing realizada com Safra Leasing S/A. Arrendamento Mercantil.

Deve ser reconhecida, portanto, a nulidade dos Autos de Infração impugnados, com o afastamento da pena de perdimento das mercadorias relativas às Declarações de Importação nº 06/1530231-3 e nº 06/1359546-1, porque inaplicável ao caso a disposição do art. 23, inciso V, do Decreto-lei nº 1.455/76. (TRF-4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002984-15.2018.4.04.7008/PR, julgado em 15/06/22).

Trata-se de precedente importante quanto a não caracterização da infração de interposição fraudulenta por eventuais questões relacionadas com o quadro societário da empresa, e não nas operações de importação propriamente ditas.

Íntegra desse importante precedente judicial.


Diogo B. Fazolo, advogado aduaneiro.


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