O que é o crime de descaminho?
Descaminho é um crime aduaneiro que busca proteger o controle da aduana sobre a entrada/saída de mercadoria do território brasileiro. São punidos aqueles que violam o controle aduaneiro na introdução/extração irregular de mercadorias estrangeiras não proibidas no território brasileiro e que deixarem de recolher os tributos aduaneiros.
O cerne da questão é a existência de uma irregularidade administrativa aduaneira na importação (ou exportação) de uma mercadoria não proibida e estrangeira.
Por mercadoria não proibida entende-se a mercadoria que não possua restrição quanto à sua entrada ou saída, bem como aquela cuja restrição seja apenas relativa: vinculada à qualidade do importador, ao contexto da importação, à destinação das mercadorias (o rol aqui não é taxativo).
Além disso, existem diversas condutas equiparadas, sempre com alguma ligação com aquele que interna mercadoria de maneira IRREGULAR: vender, expor à venda, manter em depósito.
E diante da atual redação do artigo 334 do Código Penal, apenas são consideradas como criminosas as condutas que implicarem na falta de recolhimento de algum tributo aduaneiro.
Qual a diferença entre descaminho e contrabando?
A diferença principal é a existência de uma restrição absoluta ou relativa sobre a importação da mercadoria. Pune-se mais severamente quem importar mercadoria proibida, ou seja, quem praticar o crime de contrabando.
Em outras palavras, pela redação atual do artigo 334-A, somente é considerado como contrabando a conduta que estiver ligada à uma mercadoria com restrição absoluta de importação/exportação, ou seja, proibida.
Uma restrição absoluta (proibição) é aquela que alcança a todos. Ao contrário, as restrições relativas admitem exceções, quando ao menos uma pessoa pode importar (vinculadas à qualidade do importador, ao contexto da importação, à destinação das mercadorias).
No descaminho, há uma restrição relativa à importação da mercadoria estrangeira, vinculadas à qualidade do importador, ao contexto da importação, à destinação das mercadorias. Por exemplo, o viajante não pode trazer bens destinados à revenda em sua bagagem acompanhada e, dependendo do valor das mercadorias, também responde por descaminho.
No descaminho, a operação de importação é irregular e, portanto, viola alguma restrição relativa contida na legislação aduaneira. Trata-se de norma penal em branco que é complementada pela legislação aduaneira. No exemplo citado acima, da bagagem acompanhada do viajante, há um tratamento específico do tema no Regulamento aduaneiro e na Instrução Normativa 1059.
Elementos básicos do crime de contrabando
De tal modo, são três os elementos básicos do crime de contrabando: (a) mercadoria, (b) conduta de internar no território nacional e (c) proibição absoluta.
Lembrando-se que o Direito Aduaneiro é a disciplina que estuda a regulação do tráfego internacional de mercadorias, sendo esta definida como: bem corpóreo móvel suscetível de ser importado ou exportado.
No mesmo sentido, o Glossário da ALADI define mercadorias (“mercancias”) como todo bem corporal móvel. Já o Código Aduaneiro do Mercosul diz que: “Mercadoria é todo bem suscetível de um destino aduaneiro”.
E o Glossário de termos aduaneiros internacionais da Organização Mundial de Aduana conceitua mercadoria proibida como: “Mercadoria cuja importação ou exportação é legalmente proibida” (COSTA e SILVA, Oswaldo. Glossário de termos aduaneiros internacionais. Brasília, 1998, p. 74).
O conceito de mercadoria é amplo o suficiente para abranger todos os bens suscetíveis de um destino aduaneiro, mas por importação proibida considera-se apenas a internação em território nacional em caráter definitivo de mercadoria com restrição absoluta.
Portanto, a simples entrada de carros estrangeiros usados em território nacional não faz incidir o crime de contrabando, por exemplo. É uma análise que precisa ser feita caso a caso conforme a legislação aduaneira, pois o artigo 334-A do Código Penal é uma norma penal em branco.
Em resumo: apenas o bem corpóreo móvel (mercadoria) objeto de uma proibição absoluta de importação estabelecida na legislação brasileira faz incidir o crime de contrabando.
Qual a pena do descaminho?
Nos termos do artigo 334 do Código Penal: 1 a 4 anos de reclusão. A pena é dobrada quando a conduta for praticada em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.
Vale lembrar que nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime.
O perdimento da mercadoria que foi objeto do crime de descaminho ocorre por força da legislação aduaneira, não sendo uma decorrência da condenação criminal, mas da aplicação de uma restrição de sua importação.
Aplicação do princípio da insignificância no descaminho
O crime de descaminho, na sua atual redação pelo Código Penal brasileiro, exige para sua configuração um não recolhimento de tributo aduaneiro.
O valor do tributo sonegado deve ser maior que 20 mil reais. Para se calcular a tributação aduaneira sonegada em casos de apreensão de mercadoria, basta valorar a mesma e dividir pela metade.
Existe uma presunção de que os tributos aduaneiros correspondam a metade do valor aduaneiro da mercadoria. Tributos estaduais, municipais, multas, encargos e juros não entram aqui nesta conta.
Em regra, a valoração da mercadoria clandestina deve corresponder ao valor aduaneiro (método AVA-GATT). Apenas em situações excepcionais se utiliza o valor comercial da mercadoria.
Perdimento da mercadoria no crime de descaminho
O perdimento da mercadoria é uma consequência da irregularidade da importação/exportação. Não se confunde com a sanção penal do crime de descaminho (pena de reclusão de 1 a 4 anos).
Em outras palavras, o perdimento é decretado administrativamente por decisão que hoje compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil. Sua aplicação decorre da legislação aduaneira (Regulamento Aduaneiro, artigo 689).
Toda apreensão de mercadoria irregular vai gerar, ao menos, dois processos no âmbito aduaneiro: um para o perdimento da mercadoria e um para a comunicação do crime aduaneiro ao Ministério Público Federal (representação fiscal para fins penais).
Portanto, a representação fiscal para fins penais depende do perdimento da mercadoria.
Anulação administrativa do perdimento de bens: consequências penais
Anote-se que a Portaria RFB 1750/2018 determinou expressamente que a representação fiscal será arquivada nos casos de não aplicação do perdimento da mercadoria.
Em regra, a representação permanece na Receita Federal até a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
Contudo, em casos de aplicação da multa substitutiva do perdimento, ela pode ser encaminhada ao órgão do Ministério Público Federal (MPF) ainda que pendente de decisão final em processo administrativo fiscal (a não ser que existe suspensão judicial).
No entanto, como a própria Portaria RFB 1750/2018 determina que a anulação administrativa do perdimento também gera reflexos na representação fiscal para fins penais defendemos que a anulação judicial do perdimento também tem os mesmos efeitos.
Assim, anulado o perdimento (administrativa ou judicialmente) é de se anular também a representação fiscal para fins penais, excluindo seus registros do COMPROT e do Ministério Público Federal.
Importação de veículo usado: descaminho ou contrabando?
Há uma proibição de importação de veículos usados no Brasil. Esta é a regra geral. Carros colecionáveis com mais de 30 anos são a exceção desta regra.
Logo, existindo uma restrição absoluta de importação de carros usados (com menos de 30 anos) se configura, em tese, um crime de contrabando.
No entanto, defendemos que em casos de duplo domicílio não há internação definitiva do veículo em território nacional. Inexistindo importação, não há como se configurar o crime aduaneiro de contrabando.
Redirecionamento de mercadoria, aplicativos e os crimes aduaneiros
Em conclusão, a importação irregular de mercadoria pode gerar o perdimento da mercadoria e também procedimento criminal aduaneiro. Assim, a violação de regras na importação pode ter mais de uma consequência.
De fato, regimes aduaneiros possuem regras específicas. No caso de bagagem acompanhada há uma restrição de importação de mercadorias com finalidade comercial. Fora que a bagagem é pessoal e intransferível, de modo que trazer como própria bagagem de terceiros é uma violação às regras deste regime aduaneiro.
De tal modo, a utilização de aplicativos de “importação de bagagem” para terceiros (grabr) pode configurar um crime aduaneiro. O seu uso, por si só, já é uma violação às regras do regime de bagagem acompanhada e pode gerar o perdimento.
Mesmo que a bagagem não seja revendida no grabr, há um serviço sendo prestado, o que exigiria a prévia comunicação ao SISCOSERV, sob pena de multa (fora o perdimento).
Nos casos de redirecionamento é muito comum a subvaloração da mercadoria, para reduzir o pagamento dos tributos incidentes na operação. Trata-se de um exemplo clássico de descaminho.
Como se defender
É recomendável que o contribuinte inicie sua defesa o quanto antes, ou seja, logo após a retenção da mercadoria.
A retenção irá, obrigatoriamente, gerar um processo aduaneiro no âmbito da Receita Federal para fins de aplicação de uma sanção aduaneira.
Isso possibilita que o interessado se defenda do auto de infração lavrado, via impugnação. O auto contém informações essenciais ao futuro processo penal, como a classificação e valoração aduaneira da mercadoria.
Tanto a classificação aduaneira quanto à valoração aduaneira se baseiam em acordos internacionais que são muitas vezes ignorados e/ou mal interpretados. Ambos com grande impacto na ação penal de descaminho.
Por exemplo, a nova versão do Sistema Harmonizado da Organização Mundial de Aduanas, que é uma nomenclatura internacionalmente aceita para classificar e depois valorar/taxar mercadorias tem alterações impactantes na classificação de drones (unmanned aerial vehicles) e smartphones.
Comments (4)
Me parece que deveria ter sido considerado no caso da esfera penal e da prescrição o seguinte:
1. o disposto na SÚMULA VINCULANTE 24/2010 DO STF que dispõe que nenhum fato gerador de dano causado a ordem tributária pode ser arquivado por estar prescrito antes que a Receita Federal cálculo por meio de parecer qual é o valor do dano. Nesse caso não corre prescrição;
2. também entendo que deve ser considerado o disposto no art.150, parágrafo 4, do CTN/Código Tributário Nacional que estabeleceu que nos casos de dolo, fraude e simulação a prescrição ou decadência somente correr após a data de descoberta da fraude pela autoridade fiscal.
Iria participar de um evento e trouxe um equipamento para demonstracao no valor de 3500 dólares, como nao era para venda, nao declarei o bem, e mesmo foi apreendido na alfândega do aeroporto de Guarulhos, existe algo mais que tenha que tratar coma receita ou apenas o bem apreendido ja encerraria o casoz
Todo perdimento gera também uma representação fiscal para fins penais após o seu término, com comunicação ao MPF.
Sou meu, Tive um caso que foi arquivado, por venda de um iPhone em uma página no Instagram, no caso declarei que vendia dependendo do fornecedor e as vezes era Paraguai e Estados Unidos , então com isso 1 ano depois uma intimação “termo de declarações “, no caso investigação sobre descaminho, o iPhone estar apreendido tem uns 3/4anos. Ainda tenho cnpj porém não vendo eletrônicos (iPhones) já tem anos, o último foi esse da intimação. Como devo me comportar durante o depoimento que será on-line ?