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As novas regras do contencioso fiscal previstas na Portaria MF 20/2023

A Portaria MF 20/2023

Essa portaria disciplina o julgamento realizado nas Delegacias de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e trouxe algumas novidades que tem o protecional de causar alguma polêmica (além da judicialização das discussões).

Os ritos estabelecidos nessa Portaria se aplicam aos processos tributários e aduaneiros no âmbito da Receita Federal. Em relação à temática aduaneira, se aplica apenas às multas aduaneiras, posto que o rito de perdimento tem regramento próprio.

São dois ritos distintos, um ordinário e um especial.

Se criou uma espécie de duplo grau recursal dentro das Delegacias de Julgamento.

Quando ela entra em vigor

Essa Portaria começa a ser aplicada em 3 de abril de 2023 a todos os processos pendentes de julgamento em 1ª instância.

O rito ordinário previsto na Portaria MF 20/2023

No rito ordinário a DRJ vai funcionar como primeira instância de julgamento (art. 3º, inc. I), por decisão colegiada, as impugnações ou manifestações de inconformidade com valor ACIMA de mil salários mínimos.

O rito especial previsto na Portaria MF 20/2023

E por decisão monocrática a DRJ vai julgar a impugnação ou manifestação de inconformidade casos de pequeno valor ou baixa complexidade. São considerados de pequeno valor os que NÃO superem sessenta salários mínimos; E de baixa complexidade a controvérsia que seja superior a sessenta salários mínimos e não supere mil salários mínimos:

Art. 49. Nos julgamentos dos processos relativos ao contencioso administrativo fiscal de pequeno valor e ao contencioso administrativo fiscal de baixa complexidade, a decisão será proferida nos termos do disposto nesta Seção.

Esse julgamento ocorre de maneira preferencialmente virtual, podendo ser síncrona (videoconferência) ou assíncrona (postagem de voto em plenário virtual), conforme artigo 55 da Portaria.

O recurso da decisão monocrática proferida pela DRJ também segue esse rito especial. Esse julgamento ocorre na própria DRJ, em decisão colegiada, desde que interposto o recurso no prazo de 30 dias contados da data da ciência da decisão (art. 50).

Aqui se possibilita o envio de sustentação oral gravada e encaminhada digitalmente, o que certamente é um avanço.

O princípio da transparência

O Artigo X:3 do GATT prevê que cada parte contratante aplicará de maneira uniforme, imparcial e equitativa (razoável) suas leis, regulamentos, decisões judiciais e disposições administrativas.

Ricardo Xavier Basaldúa argumenta que essa obrigação compreende o princípio da transparência, operacionalizado com a regra da independência dos organismos encarregados de aplicar as medidas administrativas e suas decisões (BASALDÚA, Ricardo Xavier. La Organización Mundial del Comercio y la regulación del comercio internacional. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2013, p. 79).

Ainda segundo o professor Basaldúa, a independência da administração constitui um requisito essencial, a qual confere legitimidade aos serviços aduaneiros e que apenas a especialização da jurisdição não é suficiente para garantir soluções equitativas (BASALDUA, Ricardo Xavier. Importancia de la jurisdicción especializada en materia aduanera: situación en Argentina. In: Trevisan, Rosaldo (org). Temas Atuais de Direito Aduaneiro II. São Paulo: Lex, 2015, p. 61-85).

O direito de recurso

O Capítulo 10 do Anexo Geral da Convenção Quioto Revisada (CQR) disciplina em 12 artigos o direito de recurso em matéria aduaneira, regulamentando o Artigo X:3 do GATT.

Já o Artigo 10.4 da CQR  determina que a legislação nacional deverá prever um direito de recurso em 1ª instância perante as Administrações Aduaneiras”.

Além disso, se estabelece que na hipótese de indeferimento do recurso interposto perante a aduana, o requerente ainda deve ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira (10.5). E, em última instância, a uma autoridade judicial (10.6).

Em resumo, a CQR garante quatro níveis de recursos: a) um pedido inicial sobre os fundamentos de uma decisão ou omissão; b) um recurso inicial perante a autoridade aduaneira; c) um segundo recurso a uma autoridade independente e d) um recurso a uma autoridade judicial independente.

Trata-se de medida que almeja um tratamento não discriminatório, imparcial e transparente aos administrados, já que garantir o direito de recurso melhora a consistência e previsibilidade das decisões da aduana.

Essa justificativa está claramente delineada nas Orientações sobre recurso em matéria aduaneira da própria Organização Mundial das Aduanas: “It is a general principle of the Kyoto Convention that all Customs matters must be treated in a transparent and fair manner. As a consequence there is another general principle that all persons who deal with Customs must be afforded the opportunity to lodge an appeal on any matter (WCO. Guidelines on Appeals in Customs Matters. Disponível em <https://www.wcoomd.org/-/media/wco/public/global/pdf/topics/wto-atf/dev/rkc-guidelines-ch-10.pdf?la=en>. Acesso em 23 fev. 2023).

A Portaria MF 20/2023 é compatível com a CQR?

Como se percebeu acima, a ideia aqui é a criação de uma dupla instância de julgamento na DRJ para casos abaixo de mil salários mínimos.

Numa primeira leitura, parece que existe possível incompatibilidade com o princípio da transparência e com o direito de recurso em matéria aduaneira.


Diogo B. Fazolo, advogado, mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB).


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