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A reforma aduaneira de 2024: entenda os impactos e possíveis riscos ao comércio exterior brasileiro

Como o Projeto de Lei 508/2024 Pode Moldar o Futuro do Sistema Aduaneiro Brasileiro: Transparência e Desafios

Uma nova reforma aduaneira está tramitando no Senado Federal desde fevereiro na forma do Projeto de Lei n. 508/2024. A ideia inicial parecia ser a produção de uma consolidação aduaneira, conforme consta de sua ementa: “Consolida a legislação federal sobre o comércio exterior e dispõe sobre os Impostos de Importação e Exportação”.

Em março se abriu prazo para a apresentação de sugestões ao PL 508, encerrado em 5 de abril de 2024. A tramitação posterior infelizmente não consta do website do Senado Federal sobre o PL 508.

Em algum momento posterior foi nomeada uma comissão para trabalhar no PL 508. Os nomes não foram divulgados oficialmente, o que causa certa estranheza, sobretudo de um ponto de vista histórico. A título exemplificativo, é possível saber os nomes das pessoas que elaboraram a primeira consolidação aduaneira em 1834, pois o decreto de nomeação da comissão foi devidamente publicado (Antonio Geraldo Curado Menezes, Domingos Carvalho de Sá, João José Dias Camargo, José Ferreira dos Santos e Ricardo Pires Ferreira, conforme Decreto de 22 de julho de 1831).

No mês de setembro se divulgou entre alguns grupos previamente cadastrados uma nova Lei Geral do Comércio Exterior, com um prazo reduzido para apresentação de sugestões. O seu artigo 1º esclarece que o texto trata apenas de normas gerais para o desempenho das atividades de regulação, fiscalização e controle sobre o comércio exterior de mercadorias.

E quem pode legislar sobre o comércio exterior do Brasil? Do PL 508/2024 à Lei Geral Aduaneira

Ao longo do texto da Lei Geral Aduaneira divulgado pela comissão de reforma a fórmula “regular+fiscalizar+controlar” é repetida quatro vezes. A inclusão da palavra regulação, parece querer adicionar uma função no artigo 237 da Constituição Federal.

Ao que tudo indica a comissão de reforma aduaneira partiu de premissa muito similar à que orientou a última grande reforma aduaneira: texto base posteriormente regulamentado pelo Executivo, o que é reforçado pelo artigo 166 (“O Poder Executivo regulamentará esta Lei, no que for necessário à sua aplicação”).

Historicamente, nossos regulamentos e consolidações aduaneiras (de 1832 até 1894) foram autorizados pelo congresso, com controle efetivo sobre o resultado e prazo determinado para serem realizados.

Isso muda apenas na década de 1960 com a promulgação do DL 37/66. Em perspectiva histórica, não nos parece que o Executivo detivesse uma competência constitucional para legislar diretamente sobre comércio exterior. Mas a promessa de proteção da indústria nacional do então regime militar estava atrelada ao abandono da legalidade em prol de uma flexibilidade na expedição de normas sobre o comércio exterior e assim foi realizada a última grande reforma aduaneira nacional.

A ideia era produzir um marco normativo geral que seria regulamentado posteriormente por atos do Poder Executivo e assim foi feito. O resultado gerou um sistema aduaneiro de tipo mosaico, com o DL 37/66 ocupando uma posição central no sistema. Mas a sua concisão demandou a produção de infinitos atos infralegais expedidos pelo Executivo para complementá-lo, daí o mosaico.

O que se ressalta do período é a redução de participação da sociedade e do congresso no processo legislativo, redução de garantias individuais e uma visão protecionista do sistema aduaneiro que é reduzido a uma função de proteção da indústria nacional num contexto de grande fechamento ao comércio internacional.

Basicamente, se construiu um sistema aduaneiro baseado numa “lei” geral aduaneira muito concisa que foi produzida pelo Executivo na forma de um Decreto-lei, extensamente complementada posteriormente, sobretudo por atos infralegais. Parafraseando Geraldo Ataliba: “Decreto-lei não é lei”.

Flexibilidade e segurança jurídica

O retorno da legalidade com a promulgação da Constituição de 1988 parecia ter afastado a possibilidade de manutenção de um sistema flexível.

No entanto, o direito de recurso previsto tanto na Convenção de Quioto Revisada quanto no Acordo sobre a Facilitação do comércio segue esse modelo flexível, pois um Decreto-lei foi alterado para dar à aduana a faculdade de legislar sobre o procedimento aduaneiro de aplicação da sanção de perdimento, conforme o artigo 27-E do Decreto-Lei n. 1.455/1976: “O Ministro de Estado da Fazenda regulamentará o rito administrativo de aplicação e as competências de julgamento da pena de perdimento de mercadoria, de veículo e de moeda”).

Independente da posição adotada quanto à implementação do acordo ter sido satisfatória ou não quanto ao direito de recurso na esfera aduaneira é preciso reconhecer que a matéria é controversa e que o modelo flexível foi mantido. Portanto, tudo indica que o Dl 37/66 e o DL 1455/1976 serão mantidos pela reforma aduaneira de 2024.

Repetir-se-á o que ocorreu com o RA-1860 quando permaneceu parcialmente vigente com o RA-1876, posteriormente consolidados em 1885.

Assim, a elaboração de uma norma geral impõe que um novo regulamento aduaneiro faça a consolidação da legislação posteriormente.

Se a história se repetir teremos um novo sistema aduaneiro mosaico com uma infinidade de normas infralegais sendo expedidas pelo Poder Executivo diretamente pela aduana, o que causa grande preocupação em relação à necessária segurança jurídica em área de grande relevância para a economia nacional.

Um super regulamento aduaneiro?

A autorização da regulamentação prevista no anteprojeto indica que a consolidação ficará a cargo de um novo regulamento aduaneiro promulgado pelo Executivo via decreto (art. 84, CR/88).  Teremos um super regulamento produzido pelo Poder Executivo.

Se o texto original do PL 508 permitia que a nova consolidação fosse discutida em processo legislativo, agora se pretende reduzir as discussões ao mínimo possível, haja vista os prazos exíguos, participação restrita de grupos previamente autorizados e texto conciso.

Existem alguns riscos, como a possibilidade de que outro sistema aduaneiro de tipo mosaico seja formado e que a promessa de flexibilização iniciada na década de 1960 seja efetivada agora com o aval do congresso.

Portanto, a reforma parcial que está sendo cogitada pode facilmente gerar um sistema aduaneiro ainda mais protecionista que o atual, muito embora a promessa seja a de facilitação comercial.

Indícios não faltam e os temas excluídos da reforma aduaneira geram preocupação. De acordo com o parágrafo único do artigo 4º, as infrações aduaneiras, as sanções aduaneiras e o contencioso aduaneiro serão disciplinados em legislação específica.

A ideia de regulamentação posterior de temas sensíveis como o erro escusável parece mais uma limitação que uma promessa a ser efetivada (Art. 4º, inciso XIV – previsão de sanções proporcionais às infrações cometidas, e tratamento ao erro escusável, a ser definido em legislação específica).

Uma garantia de não punição excessiva é inerente a qualquer sistema aduaneiro sancionatório produzido em período democrático e não soa nada animador quando é limitada em fase tão incipiente de uma reforma.

A recente reforma do contencioso aduaneiro da sanção de perdimento de bens corrobora essa preocupação, tendo, entre outras coisas, produzido um tribunal administrativo que mantém o sigilo de suas decisões e não gera jurisprudência.

Conclusões sobre a reforma aduaneira de 2024

A história da produção legislativa aduaneira do Brasil dos últimos 60 anos produziu diversos episódios de redução de garantias de intervenientes, em nenhuma delas o resultado foi o aumento da conformidade.

Se a finalidade geral da reforma é a de produzir uma legislação confiável que seja respeitada pelos intervenientes aumentando o cumprimento voluntário é necessário que o resultado atinja um nível mínimo de garantias amplamente reconhecidas constitucional e internacionalmente.

Para atingir um consenso é preciso que exista transparência no processo legislativo, com a participação efetiva da sociedade e oportunidades amplas e efetivas para debate, com a possibilidade real de intervenção. Prazos exíguos e participação meramente formal não bastam.

O que a reforma aduaneira de 2024 parece querer produzir é a convalidação do congresso para que o Executivo Federal regulamente o comércio exterior via atos infralegais, atualizando o velho modelo flexível de controle sobre o comércio exterior


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