Multa por não apresentação de documentos na importação: IN 2072/2022
Inovações e problemas trazidos pela Instrução Normativa RFB 2072/2022 no despacho aduaneiro de importação de mercadoria
A citada IN 2072/2022 determina que os documentos comprobatórios da transação comercial serão considerados documentos obrigatórios de instrução da Declaração de Importação, ampliando o rol do artigo 553 do Regulamento Aduaneiro:
Art. 553. A declaração de importação será obrigatoriamente instruída com:
I – a via original do conhecimento de carga ou documento de efeito equivalente;
II – a via original da fatura comercial, assinada pelo exportador; e
III – o comprovante de pagamento dos tributos, se exigível.
Parágrafo único. Poderão ser exigidos outros documentos instrutivos da declaração aduaneira em decorrência de acordos internacionais ou por força de lei, de regulamento ou de outro ato normativo.
Os documentos comprobatórios da transação devem ser apresentados quando solicitados pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil responsável pela análise fiscal da respectiva DI. A inovação se refere apenas a casos em que há parametrização em canal cinza, ocasião em que se apura a existência de elementos indiciários de fraude aduaneira.
Mas, nesses casos, exige-se a apresentação da correspondência comercial, as cotações de preços, a comprovação da formalização dos compromissos e das responsabilidades contratuais, a fatura proforma, ou documentos equivalentes, os comprovantes de pagamentos, os registros contábeis, a formalização das garantias para pagamentos e os contratos de transporte e de seguro relacionados à operação comercial.
E consideram-se não entregues os documentos comprobatórios relacionados no § 10 caso sejam omissos ou não mereçam fé.
Não sendo entregues os documentos solicitados, ou seja, em caso de descumprimento da obrigação de apresentação dos documentos comprobatórios da transação comercial, aplica-se a multa tipificada no inciso II do caput do art. 70 da Lei nº 10.833, de 2003:
Art. 70. O descumprimento pelo importador, exportador ou adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem, da obrigação de manter, em boa guarda e ordem, os documentos relativos às transações que realizarem, pelo prazo decadencial estabelecido na legislação tributária a que estão submetidos, ou da obrigação de os apresentar à fiscalização aduaneira quando exigidos, implicará:
II – se relativo aos documentos obrigatórios de instrução das declarações aduaneiras:
a) o arbitramento do preço da mercadoria para fins de determinação da base de cálculo, conforme os critérios definidos no art. 88 da Medida Provisória no 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, se existir dúvida quanto ao preço efetivamente praticado; e
b) a aplicação cumulativa das multas de:
1. 5% (cinco por cento) do valor aduaneiro das mercadorias importadas; e
2. 100% (cem por cento) sobre a diferença entre o preço declarado e o preço efetivamente praticado na importação ou entre o preço declarado e o preço arbitrado.
Resta claro que houve uma ampliação indevida das condutas tipificadas no inciso II do caput do art. 70 da Lei nº 10.833, de 2003 quando a Instrução Normativa 2072/2022 com a inserção dessa obrigatoriedade de apresentação de documentos comprobatórios da transação em casos parametrizados em canal cinza.
O devido processo aduaneiro e o direito ao silêncio X IN 2072/2022
A garantia do devido processo legal está prevista na CR/88:
Art. 5º. […]
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Além disso, a Convenção de Quioto Revisada (já internalizada pelo Decreto 10.276/20), traz o conceito de controle aduaneiro:
CAPÍTULO 2 – DEFINIÇÕES
Para efeitos de aplicação dos Anexos à presente Convenção entende-se por:
[…]
Controle aduaneiro: o conjunto de medidas tomadas pelas Administrações Aduaneiras com vista a assegurar a aplicação da legislação aduaneira;
A norma 6.2 da CQR complementa esse conceito de controle delimitando-o como o necessário para assegurar o cumprimento da legislação aduaneira.
Logo, o exercício do controle aduaneiro não é ilimitado e deve se pautar pela mínima intervenção aduaneira, estando limitado pelo devido processo legal.
No mesmo sentido, veja-se a lição da doutrina especializada:
Los procedimientos de control aduanero deben cumplir con las debidas garantias de un proceso justo […] (ZAMBRANO, Efrén. Procedimientos de control aduanero. IN: PARDO CARRERO, German. Derecho Aduanero. Bogotá, Tirant lo Blanch, p. 573, tomo I).
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El debido proceso constituye una garantia genérica que abarca varias garantías constitucionales, todas ellas destinadas, em su conjunto, a permitir que las personas ejerzan de manera eficaz sus derechos, com motivo del ejercicio del poder jurisdiccinoal del Estado, quien deve ofrecer a los indivíduos, un marco procedimental adecuado para que puedan ejercer de manera eficaz la defensa de sus derechos (COTTER, Juan Patrício. Derecho aduanero y comercio internacional. Buenos Aires: ediciones Iara, p. 336, 2018).
Portanto, sendo o princípio da mínima intervenção aduaneira limitado pelo devido processo legal, a presunção de irregularidade viola a garantia de “que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere)”.
Assim, qualquer multa aplicada com o indevido alargamento das condutas previstas no inciso II do caput do art. 70 da Lei nº 10.833, de 2003 são nulas, posto que eventual alteração da Lei Federal n. 10.833/2003 precisa ser feita por lei ordinária e não por instrução normativa.
AUTOR: Diogo Bianchi Fazolo, advogado, mestrando em Direito pela Universidade Católica de Brasília.